Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

One Love 18

Eu não sabia quanto tempo havia se passado. Horas? Minutos? Segundos? Minha sensação de ser era a mesma da transição brusca de um sonho para a consciência quando temos a impressão de estar caindo de um precipício. Aquele precipício em especial terminava num grande e adocicado pote de mel. De fato, eu não me importava nem um pouco de afogar ali.
Não o experimentava mais limitadamente com a visão. Agraciada pela concessão da audição, os sentidos restantes foram aguçados. O tato me permitia aperceber sua pele escondida por camadas de roupa, seu joelho encontrava o meu, bem como uma parte da coxa e da barriga; enquanto a manobra de me prender pelos pulsos proporcionava o choque dos nossos braços. O paladar e o olfato se fundamentavam em minhas memórias; na brisa leve daquela tarde misturava-se a essência que ele sempre usara; e na ponta da minha língua se concentrava o gosto de menta fresca que a maioria dos seus beijos tinha —  Justin sempre levava Altoids no carro.
— Justin? — Caitlin gaguejou, o som de sua voz se limitava a um sussurro desagradável.
Uma tempestade de gelo me envolveu e eu parei de respirar. Por que Caitlin pronunciava seu nome naquele momento e com tanto assombro? Fiquei com medo de perguntar. Aquele voo me levara alto demais, cair para a realidade agora podia ser fatal.
Não pergunte, não pergunte, não pergunte....
— Você também o vê?
A idealização de Justin travou o maxilar, um ato que me afundou um pouco mais na nostalgia. Aquela era a sua mania ao se deparar com algo que ele não podia controlar, um problema além de suas habilidades. Geralmente, eu e minha carga de emoções caótica.
— Como que...? Você está... Bem? —  Caitlin questionou perturbada para ele, me ignorando.
— Sei que precisamos conversar, mas podemos adiar um pouco? Precisamos sair daqui.
Sim, aquela definitivamente era a voz de Justin. A pressão da atmosfera se concentrou toda no campo.
Na ausência de resposta por ambas as partes, ele incentivou outra vez:
— Temos que ir, não sabemos se Maya trabalha sozinha. Da mesma forma, ela é alvo de George, ele pode ter mandado alguém atrás dela.
O nó em minha cabeça se apertou mais um pouco. Annelise não estava do lado de George? E o homem à minha frente não estava do lado de Annelise?
— Onde Maya está? — ele indagou, sua ansiedade era contida por um receio que o fazia me estudar.
— Amarrei numa árvore — Caitlin respondeu no automático, finalmente conquistando a atenção dos olhos hipnotizantes. Um sorriso cômico pequeno puxou seu lábio para a esquerda.
— Você da conta dela? Leve-a para a cabana. Rafael está desmaiado por aí, pode encontrá-lo e levá-lo para a casa dele?
Cabana? Ele se referia à cabana de Ryan? Como poderia saber disso? Se Annelise também sabia da cabana, estávamos perdidos.
Caitlin não respondeu. Ele continuou:
— Eu levo Faith de volta. Ryan nos encontrará lá.
Tive vontade de bater minha cabeça no chão repetidas vezes, aquela ficção já estava confusa demais para o meu gosto. Quanto mais eu ficasse naquela fantasia, maiores seriam minhas sequelas se saísse.
Coragem, Faith. Diga.
— Quem é você?
Ele apertou a boca numa linha fina, sinal de que não me diria nada do que eu queria saber.
— Vamos, por favor? — a persuasão transbordou de seu olhar, um dom especifico de Justin.
Eu não queria brinca mais. Funcione cérebro. Agora.
— Você... Só pode estar delirando se pensa que vou deixá-la sozinha com você — Caitlin rebateu, uma pitada de raiva se diluiu em seu choque.
— Você sabe que eu não faria nada para machucá-la — o falso Justin afirmou, aparentemente ofendido com a desconfiança.
— Sei? É exatamente o que está fazendo agora.
A expressão dele endureceu, escondendo qualquer resquício de emoção.
— O que importa agora é a segurança dela. Sei que devo explicações, mas me deixe tirá-la daqui primeiro.
— Se você não tirar suas mãos de formol daí eu vou acertar isso na sua cabeça decomposta.
— Caitlin, eu sei que está com raiva, e tem direito, mas, podemos elencar prioridades?
— Acho que você não entendeu direito. Eu vou abrir seu cérebro em dois se não se afastar agora.
Vagamente, tive noção de que deveria me pronunciar, era sobre mim que estavam falando, decidindo como se eu fosse uma criança de cinco anos.
Minha ilusão se fixou em meu rosto com cautela, soltou meu pulso e fez menção de dar um passo para trás. Com um reflexo, fechei minha mão em torno de seu macacão na direção do peito, impedindo que fosse para longe de mim. Eu deveria saber, não tinha força suficiente para mandá-lo embora, por mais que tivesse consciência do que era mais saudável para mim.
— Faith? — Caitlin indagou —  Vamos embora.
Titubeei antes de colocar em palavras, adiando a concretização daquele deslize.
— É minha decisão. Eu vou com ele.
A voz no fundo da minha mente me desafiou: Isso é coragem de enfrentar uma incógnita mental ou covardia de não se desfazer de uma projeção de Justin?
— Nós não sabemos o que ele quer, nem quem ele é — ela argumentou, evidentemente perturbada.
Notei a surpresa melancólica atravessar o rosto da minha projeção perfeita segundos antes que ele a escondesse dali.
— É isso que vou descobrir.
Caitlin arfou.
— Olha pra mim!
Como eu poderia explicar à Caitlin que não podia desviar meus olhos dele? Tinha a impressão de que nem mesmo uma bomba conseguiria roubar minha atenção. Annelise devia estar usando feitiçaria para me atrair. E se isto fosse, eu apenas tinha a opção de lhe parabenizar, além de secretamente lhe agradecer por aquela visão. 
— Desculpa, Cait.
Fiz um sinal positivo com a cabeça para ele, um incentivo para que me levasse, ou um atestado de óbito para mim mesma. Ele me levaria de volta à Annelise, mas a única coisa que eu enxergava era o homem que me virou de cabeça para baixo desde que o vi pela primeira vez.
— Nos vemos daqui a pouco —  ele disse à Caitlin, tirando delicadamente o enrosco que eu havia feito em sua roupa.
Despreparada para o efeito que teria sua mão na minha, desfrutei da corrente elétrica que passou pelas terminações nervosas da ponta dos meus dedos até o restante do corpo, dando solavancos em meu coração. O fato se consolidara, depois daquele dia, eu teria que ser internada num manicômio.
Entornei meus dedos em sua palma, de qualquer maneira eu precisava de ajuda para caminhar. Então, com uma olhada significativa para mim, ele seguiu o caminho, deixando Caitlin para trás. A tontura me acompanhou durante a pequena caminhada, fissurada em seu rosto, tropecei incontáveis vezes. Acrescente a isso meus olhos embaçados e teremos uma completa desvairada ambulante. Se eu tivesse ingerido alguma gota de álcool aquele dia, juraria estar bêbada. 
Aquele Justin, por outro lado, não colocou os olhos em mim, e mesmo assim eu diria que estava me observando. Ele me firmou sem nada dizer todas as vezes em que quase caí no chão, os músculos do rosto tensos. Não consegui combinar as letras para expressar alguma coisa em palavras, altamente concentrada em não tocar seu rosto. Primeiro, eu precisava conter o caos dentro de mim para depois pensar em fazer alguma coisa. 
— Viu? Eu disse que seria mais fácil se contasse à ela — cedo demais, ouvi a voz vitoriosa de Annelise.
Minha projeção lhe lançou um olhar violento.
Espera... O quê?
— Podemos ir agora ou vocês querem discutir a relação primeiro? Sei que tem muito a ser dito.
Quis lhe explicar que eu não tinha nenhuma relação para discutir com um estranho representando meu sonho mais vívido, porém, Annelise não valia o esforço. E até onde eu sabia, não era psicóloga também.
— Ok, vamos indo.
Ela tomou a frente outra vez, nos guiando pelas árvores até que chegássemos à cerca que nos separava da estrada.
Pelo amor de Deus, até o jeito de caminhar se assemelhava. Meticulosamente ereto, mostrava-se superior ao que quer que fosse. Nada lhe colocava medo. E só estava mais lento para acompanhar meu ritmo inconstante. 
Com certa destreza, Annelise levantou o arame, mostrando o corte em forma de U invertido no material. Não dava para saber se ela mesma fizera aquele buraco. Em seguida, apontou animadamente para que passássemos na frente. Sua intenção podia ser me apunhalar pelas costas, mas segui cegamente minha projeção, encurvando um pouco as costas. Ali, no meio fio, algum carro, e não me pergunte a cor ou o modelo, estava estacionado.
Minha projeção abriu a porta traseira para mim e, pacientemente, me esperou entrar.  Fiquei parada feito uma doente mental, lhe encarando, incerta do que fazer.
— Pode entrar — me incentivou.
Por que ele se parece com o Justin? Por que ele tem a voz do Justin? Por que? Por que?
Utilizei seu apoio até que estivesse sentada no banco de couro, dentro da cova de leões — com aroma de carro novo. Annelise se sentou no banco passageiro da frente e ele foi para o volante, uma coisa que levei como intimidade. Mesmo que ele não fosse real, não foi agradável. Só me tranquilizava que ela não estivesse no controle do nosso destino manualmente.
— Eu te avisei, não foi, Faith? — ela quase cantarolou, cheia de razão. Razão do quê eu não fazia ideia.
— Por que não liga o rádio e fecha a matraca, Annelise?
A grosseria dele quase me fez sorrir. Bem na sua cara, vagabunda. Eu e ele até poderíamos se amigos se não me matasse.
The Weeknd tomou conta do rádio, aparentemente, até ele sentia que meu surto final estava vindo. Minha projeção estalou a língua em reprovação e mudou de estação. A vibe R&B foi substituída por uma guitarra furiosa. Outra coincidência maldita, Justin também preferia rock.
Deixamos todo o clima natural para trás, o que significava que a cabana também ficara. Aquele homem prometera à Caitlin que me levaria de volta, só não disse quando, em que estado, e onde. Muito inteligente. Pensei que eu havia superado a vontade de me entregar de bandeja para morte, mas, na verdade, eu só havia me agarrado a ela. Ninguém havia me avisado que viria vestida em um material tão deslumbrante.
Minha língua ainda se encontrava em um sono pesado enquanto eu me conservava no estado de contemplação combinado com um pânico isolado. Todas as teorias se passavam em minha cabeça. Justin podia ter um irmão gêmeo? Ao mesmo tempo, meu controle emocional exigia que não fizesse movimentos bruscos. Eu preferia admirá-lo do que ter um desmaio repentino. Possibilidade esta não muito distante.
De volta à civilização, quando consegui afastar meus olhos úmidos das asas na nuca do motorista, reconheci vagamente as ruas percorridas. Finalmente tive um sentimento lógico, o pesar de ter decidido errado. Não que saber o nosso destino seria mesmo capaz de mudar alguma coisa. Um sonho tão real desses enquanto eu estava acordada não viria de graça.
Eu já conseguia avistar a Companhia Bieber quando o carro foi parado.
— Sério isso? Duas quadras? — Annelise reclamou, indignada. Surpreendia-me que ela conseguisse o feito de ficar quieta por todo o caminho, obediente a ordem expedida.
— Não é como se você não tivesse pernas. Faça como o combinado, conversamos depois.  
Ela respirou fundo, expirando com um chiado irritante. Então, virou-se para trás, o sorrisinho venenoso estampado no rosto.
— Acho que vai precisar deixá-la numa clínica psiquiátrica — murmurou com uma compaixão fingida, se dirigindo a mim em seguida — Até breve.
Juntei minhas mãos e as imobilizei sobre meu colo quando a vi se inclinar para o banco do motorista, olhando-me de maneira provocativa. Logo depositou um beijo na bochecha da minha projeção, a qual permaneceu imóvel. 
Já fora do carro, a cobrinha iniciou seu desfile pela rua. Não dei atenção ao seu show de exibicionismo, os olhos de mel me fitavam pelo espelho retrovisor.
— Você quer vir para frente? — ofereceu ele, a firmeza e autoridade de suas palavras de outrora havia desaparecido.
Apenas o encarei, os lábios bem selados. Ele percebeu que eu não tinha intenção de falar e deu a volta com o carro, novamente atento ao trânsito. Um bônus que eu não esperava. Talvez ele fosse mesmo me levar à cabana no fim das contas. Mas por quê? Sua motivação era, de fato, me ajudar?
Empurrei o medo goela abaixo, cogitando a ideia de que ficaria sem minhas respostas se não o fizesse logo. Brevemente estaríamos na cabana e ele iria embora. Eu precisava enfrentá-lo de uma vez e descobrir o que nele estava jogando com minha cabeça. Juntei as letras uma a uma para pronunciar:
— Encosta o carro.
Peguei-lhe desprevenido e ele me olhou ansioso pelo espelho.
— O que? Algum problema?
— Encosta!
Com uma virada brusca, estacionamos no meio fio outra vez. O motorista não se moveu, os olhos a frente. Se ele não me dissesse por livre e espontânea vontade, eu me saciaria nas unhas.
— Quem é você? —  refiz a pergunta. Pronunciada mais uma vez, aquela sentença me fazia parecer estúpida.
Ele respirou fundo imperceptivelmente.
— Você está bem?
— Essa não foi a pergunta que te fiz.
Com o passar dos segundos, imaginei que ele me mandaria apenas sair do carro. Não estava fazendo um favor para que eu lhe desse como gratidão um acesso de loucura. Se ele não estivesse junto, este meu terceiro encontro com Annelise resultaria em uma marcação funda no meu braço, ou pior. Não havia duvidas de que ela só não me feriu por sua causa.
Repentinamente, ele apoiou os braços nos dois bancos e passou no meio dos dois com uma graciosidade quase impossível, sentando-se ao meu lado. Sua expressão não tinha mais defesas erguidas, visivelmente cansada, um cansaço que teria alguém de 90 anos em seu leito de morte.
— Qual é, Faith.
Ele podia se parecer com o Justin, falar como o Justin, agir como o Justin, mas eu não lhe dava a permissão de pronunciar meu nome.
— Quem é você? — exigi saber, a voz estrangulada nutrida de certa irritação.
Notei suas mãos se fecharem em punho no colo ao passo que uma ruga de preocupação surgia em sua testa.
— Justin Bieber.
A palavra foi sustentada pelas moléculas no ar, reverberando repetidas vezes, fazendo tantos estragos como nenhuma outra fizera, me rasgando ao meio sem piedade.
— Não brinque com uma coisa dessas — eu planejava parecer perigosa, mas aquilo saiu como se eu estivesse implorando.
Eu não podia acreditar naquela besteira. Não podia. Não haveria volta se eu acreditasse, decepcionaria todos a quem eu amava se fosse parar no manicômio. Provavelmente aquilo era mesmo coisa de Annelise, ela queria terminar de me enlouquecer e me trancar num hospício. Aposto que se deleitaria quando me visse numa camisa de força.
— Não estou brincando — com receio, ele tentou alcançar minha mão estática no colo.
Eu deveria ter me afastado, mas não fui esperta o bastante. A ponta de seus dedos tocou lentamente as costas tensas da minha mão esquerda. Acompanhei o movimento com os olhos e praticamente vi os danos internos que aquele pequeno gesto me causava. Uma verdadeira batalha, sem armadura e totalmente desigual, entre minha consciência e a esperança começou. A esperança era a única a empunhar armas.
— Estou sonhando? — adivinhei. O sonho que tive domingo permanecia a espreita, o fenômeno podia estar se repetindo.
Ele balançou a cabeça ligeiramente antes de dizer:
— Não.
Neguei repetidas vezes, me afastando dele até que me encostasse à porta.
— Eu não vou entrar nessa de novo. Você morreu, eu vi a explosão, fui ao seu funeral, me despedacei durante todos esses meses pela sua ausência. Não vou me deixar enganar de novo —  choraminguei, beirando a histeria.
— Eu... Não morri, Faith —  disse ele com tranquilidade demais para parecer genuína.
— É isso o que você diria num sonho meu.
— Não acredita em mim?
— Eu não acredito em mim.
Ele refletiu minha tristeza, se aproximando outra vez, as palmas voltadas para cima, mostrando-se inofensivo. Ele era tudo, menos inofensivo.
— Eu sinto muito por tudo isso.
Meu cérebro começou a racionalizar outra vez, sem que eu permitisse, atualizando-se dos últimos acontecimentos. A reação de Caitlin ao encontrá-lo, as coisas que Annelise disse, sua insistência em me provocar com ele... Os indícios apontavam para uma única conclusão.
— Não faz sentido —  discordei —  Se fosse você, por que teria ficado tanto tempo longe? Por que não entraria em contato? Por que faria isso... Comigo?
Tive a impressão de que ele engoliria em seco, mas não o fez. Apesar de ele endireitar sua postura eu conseguia ver sua apreensão.
— Isso foi um erro. Eu não deveria ter aparecido — não soube identificar se ele falava consigo mesmo ou para mim. De qualquer modo, me doeu. E se doía, alguma parte de mim já começava a crer que era real.
Tentei acalmar as diversas vozes em minha cabeça em vão, a secura na boca já era causa perdida, mas o tremor de cada osso meu parecia exagero. Eu precisava de calma para pensar.
— Por que faria isso? E por que estaria com Annelise? — prossegui com o interrogatório independentemente da constatação de que ele não estava mais empenhado em me convencer.
A suposição da fantasia não me parecia mais tão plausível. Eu me conhecia o suficiente para saber que em todas as projeções rasas do meu cérebro ele estava muito estável, terrivelmente furioso com minhas decisões estúpidas, ou dolorosamente amável para me distrair das agruras da vida. Em contrapartida, o Justin à minha frente exalava sua instabilidade peculiar que sempre me fizera perder a cabeça.
Com meu bombeador de sangue martelando as costelas a ponto de feri-las, me inclinei em sua direção sem planejar, as mãos arruinadas direcionadas devagar aos seus ombros, circundada pelo medo de que quando o tocasse fosse eletrocutada, ou pior, ele desaparecesse. Teoricamente, nada daquilo aconteceu. Assim, deslizei-as para suas costas, ampliando meu nervosismo ao me aproximar mais do seu rosto impassível e petrificado.
Ele não esboçou reação enquanto eu descia o zíper do seu macacão, com exceção de uma leve irregularidade em seu ciclo respiratório. Desci o tecido por seus braços, tendo visão de uma camiseta preta um tanto quanto justa. As tatuagens dançavam em seus braços como sempre fizeram, e tive que me concentrar para não explorá-las antes que fizesse o que era preciso.
Não achei necessário pedir permissão, levantando a barra da sua camiseta com cuidado. Meus batimentos cardíacos se tornaram audíveis quando mais uma parte de sua pele ficava exposta. Subi até onde suas axilas permitiam, mas já era o suficiente. Trêmula, levei a mão para o seu peito, sentindo-o se arrepiar sob meu toque. A alternativa de ser um fantasma também se descartou, fantasmas não se arrepiam.
Não demorei a encostar a ponta dos dedos na pequena cicatriz circular que interrompia sua pele macia, aquela conseguida por um tiro que ele levou “em serviço”. Eu mesma tinha feito os pontos quando os de Ryan estouraram, fui à sua casa para isso, embora estivesse frustrada por descobrir quem ele era de verdade. E agora, ela servia como um meio de comprovação de que ele estava ali, em carne e osso na minha frente, depois de tanto tempo de agonia lancinante, depois do longo caminho que percorri para o calvário, depois de me esfolar e remontar de novo por saber que teria que seguir sem sua presença.
Ele estava ali, tornando insignificante toda e qualquer outra questão, eliminando com um sopro o vazio que ameaçava minha alma, enxugando, literalmente, as lágrimas que molhavam meu rosto, e, ilogicamente, dando sentido às minhas loucuras.
Levantei meus olhos perdidos para seu rosto e sua expressão nebulosa se clareou em uma vulnerabilidade palpável, como alguém pronto a ser julgado.
— Ei.

sábado, 23 de setembro de 2017

One Love 17

Hanna já me disse uma vez que só temos um amor verdadeiro em toda a vida. Podemos ter milhares de relacionamentos amorosos, mas apenas um foi feito exatamente para você. Não é o que vai dar certo, necessariamente, isso cabe aos dois decidir. Uma vez impregnada com as digitais dele, você nunca mais será a mesma. E todo aquele sentimento que te fez transbordar? Nunca existirá um tão forte quanto.
Eu partilhava dos mesmos pensamentos que Hanna, e acreditava, fielmente, ter encontrado esse amor exclusivo em Justin. Então, ele me foi roubado e eu soube que me mudaria para sempre. Minha única esperança era poder encontrá-lo depois de superar a morte. Justin não foi tão ruim a ponto de ir direto para o inferno, e eu não sou tão boa para merecer o Céu imediato, o que deixava nós dois esperando no purgatório. Por mais insano que pudesse parecer, essa era minha única chance de reencontrá-lo.
Nessa minha lógica totalmente questionável, eu quase podia experimentar o gosto do reencontro na minha língua. Quanto mais Annelise avançava, mais eu sentia os braços dele ao meu redor, me prometendo segurança e abrigo. Meus batimentos cardíacos se acalmavam com o eco em minhas veias de que tudo ficaria bem agora. Deixei-me acolher por essa letargia até parar de lutar contra a pessoa real que me mantinha imobilizada. O fundo do meu consciente suspeitava do fato de alguém ter me drogado devido ao meu emocional ser quase dominado por uma paz e felicidade desconhecida.
Quando Annelise parou à minha frente, minha tosse já cessara. Eu estava preparada. Sabia que aquele era exatamente o lugar onde eu deveria estar. Finalmente a loucura tomara conta do meu cérebro? Provavelmente.
Os olhos de Annelise estagnaram em chamas acima do meu ombro e sua mandíbula se contraiu, a mão fechada em punho se contorceu. Ela estava se controlando; como uma pessoa que tinha sérios problemas de autocontrole, eu podia reconhecer o sentimento. Identifiquei também que se obrigava àquela condição por uma força maior. Talvez por causa do sujeito atrás de mim.
Isso me levava a pergunta mais importante, uma que eu ignorara completamente. Quem me segurava pela cintura?
— O que você está esperando? — impeli-me a perguntar, desatinando mais uma sequência de tosse.
— Já terminou seu escândalo? Podemos ir? — questionou-me com a voz ácida — Não sou obrigada a aguentar esses surtos psicóticos e não quebrar nem um braço dela — completou, emburrada. Aquela frase podia ser sobre mim, mas não me era dirigida.
Eu estava certa, o ser humano incógnita era alguma espécie de autoridade à Annelise. O nervosismo infiltrou-se em minha calmaria estranha. Mesmo tendo noção de que não deveria, virei minha cabeça na tentativa de vê-lo. Foi inútil, seu traje completo de paintball o deixava indistinguível.
— Ok. Vamos indo — Annelise expirou, virando-se para Rafael — E o que fazemos com esse gatinho?
— Se você machucar ele, eu juro que te parto ao meio — eu estava fazendo muitas ameaças ao vento ultimamente. Contando ainda o fato de que ela já o havia machucado.
Rafael se colocou em pé, atravessando o choque e a dor, o braço ferido contra o peito, os olhos alarmados correndo entre nós três. Foi o que bastou para me despertar do meu instante de insanidade. Eu ainda não podia desistir. Haviam muitas pessoas contando comigo. Hanna deveria estar apavorada em Boston. Justin teria que me esperar mais um pouco.
— O que vocês querem? Nos deixem em paz! — ele avisou. Embora Rafael desse o dobro de mim em musculatura, o efeito fora o mesmo que o meu.
— Acho que podemos deixá-lo bem aqui. Ele não corre risco com a gente no controle — Annelise concluiu, esperando a aprovação superior.
Fui devolvida ao chão, minha cintura se viu livre. Em contrapartida, a mão grande coberta por uma luva agarrou meu braço com firmeza. Entendi muito bem o recado, eu não sairia enquanto eles não deixassem.
— Se você fizer alguma gracinha, eu volto e apago a existência maravilhosa dele da face da terra — Annelise se dava muito melhor com ameaças.
Criei um cenário perfeito em minha mente onde eu amarrava seu cabelo amarelo no pneu de uma moto e arrastava por quatrocentos quilômetros na velocidade da luz.
Agora que ela e Maya tinham o que queriam — a minha vulnerabilidade —, havia alguma chance de que deixassem Rafael em paz. Mas e Caitlin? Annelise sabia que ela estava aqui? Eram só eles três no jogo?  
Olhei para Rafael no intuito de transmitir calma, dizendo:
— Não fale com Maya, eu te explico mais tarde. Vai ficar tudo bem.
Passou-se um segundo de tensão, até que ele assentiu devagar. Pensei ter ouvido o superior de Maya bufar e nos viramos para o lado contrário do campo, mais para dentro das árvores. Se havia um momento certo para bolar um plano de última hora, aquele era o momento de inspiração.
Dois passos mais tarde, o som oco nos chamou atenção, e me deparei com Rafael caído ao chão atrás de mim. Annelise chacoalhava a mão direita com a testa franzida.
— RAFAEL! QUAL É O SEU PROBLEMA?! – gritei pra ela, me içando para atingir seu rosto hipócrita e socorrer Rafael ao mesmo tempo.
Seu amigo me segurou pelos dois braços, resistindo à minha força quase nula.
— Ele que me atacou primeiro — defendeu-se, revirando os olhos — É só um desmaio, seria um crime deixar o mundo sem esse colírio para os olhos — o canto da sua boca se esticou com veneno. Ela estava tentando provocar ciúmes em mim? Certamente não entendera nada sobre nós dois — Embora eu não me importe muito com crimes. Podemos seguir.
Como se fosse uma escoteira aplicada, tomou a liderança, dando passos largos. Incentivada pelo puxão em meu braço, segui atrás deles depois de dar uma última olhada em Rafael todo desajeitado em meio às folhas. Me odiei pela vigésima vez no dia. Eu era nociva para todos os que estavam à minha volta.
— Aonde estão me levando? O que querem? Quantos de vocês estão aqui? — exigi saber. Quanto mais detalhes eu tivesse, mais eficaz seria meu plano de fuga. Eu deixaria que nos afastássemos de Rafael, o que lhe daria algum tempo para acordar e depois correr comigo até seus pulmões explodirem.
— Relaxe, Faith Evans. Além da desmiolada da Maya, só nós dois. E se você se comportar, não vamos te fazer mal.
Eu não podia acreditar em Annelise. Nada nela me inspirava confiança, muito menos no senhor mascarado. Para que tivéssemos alguma chance, Caitlin deveria estar me esperando no carro, quando eu aparecesse com Rafael, iniciaríamos uma fuga automotiva. Talvez assim conseguíssemos sucesso.
O único problema seria escapar dos dois viva.
Annelise parecia confiar inteiramente em seu amigo na responsabilidade de me vigiar, deixando toda sua concentração no caminho. Pelo porte físico, eu supunha que fosse um homem por baixo de toda aquela roupa — um homem empenhado em não me deixar escapar. Ele estava atento a cada mínimo movimento que eu fazia. Minha melhor chance era nocauteá-lo, possibilidade esta tremendamente absurda. Mas eu não ia pagar para ver aonde me levavam. Havia prometido para Hanna que resolveria tudo; havia prometido para Caitlin que me sairia bem; havia prometido para Rafael que tudo daria certo. Todas promessas feitas no mesmo dia. E eu daria um jeito de cumpri-las. Não queria nem imaginar toda a culpa jogada em Caitlin caso voltasse para a cabana e Ryan visse que estava sozinha.
Você tem ótimos planos, Faith, mas péssimos desenvolvimentos.
Ou é isso o que vamos ver.
— E aí, como foi que você conseguiu aquele cara bonitão, Faith? Subestimo mesmo suas habilidades com os caras — Annelise puxou assunto.
Fuzilei suas costas com os olhos. O carrasco viu minha intenção homicida e apertou com um pouco mais de força meu braço. Isso mesmo, melhor me segurar ou eu vou libertar a pantera.
— Você viu como ele te defendeu? Foi fofo.
— Isso se chama amizade, Annelise. Você saberia como é se tivesse um bom caráter.
Não era bom provocar quem me tinha na mão. Esse pensamento só foi tardio demais.
Ela deu uma risadinha irônica, fazendo sua cara feia de demônio pra mim. Pela cara ela não assustava, nunca tive medo de palhaços. E eu adoraria comprovar minha teoria em outro dia, agora precisava colocar meus objetivos em ação.
Entortei meu pé e soltei o peso do meu corpo, simulando uma torção. O braço que me segurava me firmou, me impedindo de cair.
— Ai! Ai, ai! — gemi, me inclinando para baixo.
Annelise me olhou exasperada.
— O que foi agora?
— Torci meu pé, me deixe sentar um pouco — resmunguei.
Ela revirou os olhos.
— Não temos tempo para isso — disse, fazendo um sinal de cabeça para meu capataz.
Meus pés foram tirados do chão outra vez, sem precisar de muito esforço, o mascarado me carregou como um recém-nascido. Alonguei meu pescoço o máximo para ficar distante dele.
Muito inteligente, Faith. Escape dessa agora.
Não gostei muito da minha próxima ideia, porém, não haviam alternativas. Esperei chegarmos perto do graveto grande na frente da árvore robusta, e, com um movimento brusco, rolei do colo do desconhecido. Caí de cara no chão. Sem tempo para ouvir a reclamação de todas as partes do meu corpo, agarrei o graveto e me voltei para cima, apontando o pedaço patético de madeira na direção dos dois.
— Nenhum passo! — ordenei a vista dos olhos incrédulos de Annelise.
Ela cruzou os braços, utilizando toda a sua expressão para me julgar.
Eu não sabia por quanto tempo eles apreciariam meu gesto inofensivo demais para ser ameaçador, então me coloquei em pé, ignorando até mesmo os fios caóticos do meu cabelo na frente dos meus olhos. Annelise desviou a cabeça com tedio para seu comparsa, e utilizei esse momento mínimo de distração para voar na direção oposta dos dois.
Você consegue correr mais rápido que eles, você consegue correr mais rápido que eles, você consegue correr mais rápido que eles...
Ultrapassei uma.... Duas... Três... Quatro árvores, pulei a pedra pequena, e deixei para trás mais uma... Duas árvores. Não tinha mais nenhum sentimento de paz em meu espírito, correndo desesperada e dolorida como estava, me lembrava do filme que assisti algumas vezes com Hanna, Jogos Vorazes. Pessoas largadas em uma floresta para matarem umas às outras. Se Katniss Everdeen conseguira, por que eu não? Faith Evans, a nova sobrevivente.
Só parecia muito mais legal no filme. Minha garganta seca e ressentida pelo mini enforcamento me implorava por água, cada músculo do meu corpo dava sinal de vida, ameaçando paralisar de exaustão, o estômago latejava pelo golpe de Maya. Destruíram minha alma, agora queriam fazer o mesmo com a carcaça. Muito bem, venham pegar.
Por ironia do destino, um puxão na parte de trás do meu macacão me fez perder o compasso. Qual era a técnica desses caras para correrem despercebidos em cima de folhas e mato?! Fiz força pra me soltar e me lancei para frente. Senti-me uma idiota tentando lutar contra um moinho. Um moinho que me jogou contra o tronco da árvore mais próxima.
Eu estava encurralada. Meu coração entalou na garganta.
Usei minhas palmas para empurrar seu peito pra longe, o que, previsivelmente, foi inútil. Fiz, então, o que eu fazia de melhor:
— Ajuda! Ajuda! Ajuda! — berrei.
Aonde estavam os jogadores idiotas de Paintball quando se precisava deles?!
Com a mão direita, o carrasco segurou meus pulsos. Possivelmente, viera mais rápido que Annelise para me preparar para o abate. Depois de outra fuga, ela deveria ter reconsiderado a ideia de me ferir. Se essa fosse sua intenção, e supondo que seu amigo fosse um homem mesmo, ele sentiria o poder de uma joelhada minha. Tomei impulso, mas antes que a concretizasse, ele usou a mão esquerda para puxar sua máscara.
Meu primeiro pensamento foi de cuspir na sua cara nojenta, independentemente de quem fosse. E depois, eu vi seus olhos.
A cor líquida do mel teve o efeito planejado, me prendendo a ele por segundos intermináveis irreais — a avaliação do restante do rosto foi terrivelmente rápida devido a essa necessidade. Alguns pelinhos determinados cresciam em seu queixo e acima de sua boca, aquela boca pequena e fina tão chamativa com uma pinta a dois dedos de seus lábios no canto direito. Já em sua cabeça, diferentemente dos fios longos até a nuca, se encontrava uma sombra castanha rala. 
Minha mente quebrada havia se superado. Eu nunca o enxergara em outras pessoas, e muito menos de forma tão real e diferente assim. A ilusão foi suficiente para amolecer meus ossos, eu tinha certeza de que desabaria no chão caso ele não estivesse me segurando, o que não o fazia apenas com seu corpo, mas com o olhar. Seu olhar intenso dentro do meu dizia milhares de coisas, e eu não podia diferenciar uma sequer, beirando como estava a loucura. O ar se preenchia com a tensão, tamanha era a influência que aquilo estava tendo sobre mim. Todo o meu ser se derretia, ameaçando me desfazer em líquidos lacrimais, e a dor da carne que eu sentia há pouco nada se comparava com a tortura da alma. Annelise nunca poderia fazer nada que me doesse tanto assim, ninguém poderia, aquela era a forma personificação de sofrimento para mim.
A lógica me lembrava de que aquele não era Justin, o qual eu nunca mais poderia ver nessa terra, e por isso me doía tanto.    Contudo, as minhas emoções já começavam a banhar meu rosto, descendo por meus olhos nos intervalos longos de piscadas que eu dava, não querendo perder ao menos um segundo daquela fantasia bonita. Até mesmo não estando presente em carne e osso, Justin Bieber conseguia ser mais fascinante do que todos os homens que eu já conhecera em minha vida. E, droga, como eu sentia sua falta. Sentia falta dos seus mistérios, da sua elegância, do seu sorriso, das suas brincadeiras e manias; sentia falta de sua competitividade, de seus talentos musicais e de sua disposição; sentia falta dos seus beijos, seus abraços; sentia falta dele por inteiro.
Não parei para pensar o que o real ser humano à minha frente estaria achando de toda aquela cena que eu estava fazendo, na realidade, pouco me importava. Eu queria ficar ali para sempre, perdida no limbo da minha existência.
— Faith? — uma Caitlin receosa adentrou minha fantasia e tive noção de que ela se aproximava. Agora era a hora de fugir. Numa reviravolta surpreendente, entretanto, eu não queria ser resgatada.
— Cait — choraminguei, um pedido camuflado de socorro, eu estava incapaz de desviar os olhos da minha visão particular. Haviam grandes probabilidades de perdê-lo se eu quebrasse aquele instante construído pela minha maior idealização.
Meu carrasco — e esse apelido nunca fizera tanto sentido como naquele momento — passou a língua sobre a boca, numa representação de nervosismo explicito, e lhe dirigiu a palavra ainda com os olhos em mim:
— Olá, Caitlin.
O trabalho estava completo, minha criatividade estava de parabéns. A voz aveludada acariciou meus ouvidos, aquele era o timbre de Justin. 

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

One Love 16

Vesti o colete, luvas, joelheiras, o macacão camuflado e a máscara separados em cima da mesa de equipamentos. O atendente me dissera que os jogadores ainda estavam se posicionando e só por isso eu poderia entrar. Caitlin me esperaria sair para vir logo atrás de mim.
Daniels, o atendente, me mostrou onde ficaria guardada a munição em meu colete e colocou a arma gigante em minhas mãos. Um pingo de suor escorreu em minha testa.
— Vocês vistoriam todas as armas e todos os participantes antes de liberarem a entrada, certo? — perguntei à ele enquanto corria meus olhos pelo campo extenso preenchido de barricadas, túneis e árvores. Parecia-se muito com um campo de treinamento do exército.
 — Claro — garantiu-me, mas seu sorriso tendia muito para um deboche — Primeira vez?
Assenti. Em minha defesa quis dizer que meu nervosismo se relacionava mais ao fato de ter uma desvairada me ameaçando para estar ali, só que eu duvidava da capacidade de empatia daquele sujeito despojado.
Ele jogou os cabelos longos e lisos para trás, seus olhos verdes cinzentos riam de mim. 
— Se tiver sorte, depois de uma semana os hematomas somem. Vai ser melhor se conseguir não levar nenhum tiro; o que, aliás, vai fazer seu time vencer. Quando for atingida, abaixe-se e levante as mãos paras anunciar aos outros jogadores a sua saída, assim, você se retira do campo. Só consideramos que foi atingida se a bola de tinta realmente explodir em você. Você está no time amarelo, por isso, sua munição é amarela. Respire apenas pelo nariz para não embaçar a máscara.
De dez coisas aprendi menos uma. Eu já estava me sentindo sufocada com aquela máscara patética de motoboy, os furos para o nariz não pareciam ser grandes o suficiente.
— Sabe segurar o marcador?
Neguei, eu nem sabia o que era um marcador.
Daniels segurou uma risada, com certeza ele pensava que eu seria a primeira a sair, carregada por paramédicos. Eu não duvidava disso, e questionei a estratégia de Maya. O jogo era aberto para outras pessoas, eu estaria fora antes mesmo que ela tivesse a chance de me reconhecer com todo esse figurino de segunda guerra mundial.
— Segure nas duas extremidades, mas com cuidado pra não apertar o gatilho antes da hora. Vê? — ele demonstrou com a outra arma que estava em cima da mesa. Ok, então a arma era um marcador — Como se estivesse caçando; e, na verdade, você estará.
Maya queria me caçar. Eu a deixara ainda mais furiosa com o golpe do dia anterior.
— Ah, sua amiga mandou te avisar que está no time contrário, o vermelho. Eles estão ao lado direito do campo. Boa sorte.
Sorte era para principiantes. Eu precisava mesmo de um milagre.
— Obrigada. Coloque minha amiga Caitlin no time amarelo também, por favor, ela já está vindo para cá.
Daniels resmungou alguma coisa sobre equilíbrio de participantes, mas eu já estava me direcionando ao campo de batalha. A adrenalina pulsando em meu sangue e a arma inofensiva em minhas mãos me faziam sentir como a exterminadora do futuro. Só se fosse do meu próprio futuro.
A medida que eu avançava, conseguia ver algumas cabeças escondidas nos obstáculos em meu lado esquerdo, e presumi ser meu time. Rezei para Rafael estar no time amarelo e me encontrar depressa para irmos embora. Eu não tinha motivos para confiar em Daniels, Maya podia mesmo estar com uma arma de fogo. E, embora não pudesse me ferir de morte, não havia impedimentos com Rafael. Ou em me deixar aleijada, por exemplo.
Eu via o vento balançando com delicadeza as árvores, mas não podia senti-lo, coberta como estava da cabeça aos pés. Por outro lado, o sol, bem posicionado no céu, ainda emanava seus efeitos sobre mim, tornando ainda mais asfixiante respirar pelos três riscos finos demais na máscara aparentando debochar do meu esforço para conseguir oxigênio suficiente.
Fiz, então, a única coisa que estava ao meu alcance para acalmar os nervos, encarando o azul no Céu:
Olá, Deus. Sei que não nos falamos há um tempinho e é completamente minha culpa, peço desculpas por isso. Lembro de todas as vezes em que declarou seu amor por exclusivo por mim, e agora consigo me sentir grata por ter sua presença constante em minha vida. Eu sei que, mesmo quando não posso ver ou sentir, Você está aqui. Não esqueço, também, que lutou grandes batalhas pelo povo de Israel. Então... está disponível a comprar mais essa por mim? 
Que péssima pessoa eu sou, as primeiras palavras que Lhe dirigia, depois de um longo abandono por minha parte, se limitavam a um pedido de socorro. Eu não O culparia se preferisse fazer qualquer outra coisa a me ajudar. Eu mesma não me ajudaria.
Quis inspirar fundo pelo nariz e expirar pela boca. Seria ótimo se não embaçasse minha vista.
Um jogador atrás da barricada de tijolos fez um sinal frenético para mim, uma ordem expressa de que eu deveria me esconder.
— Rafael? — perguntei, já me agachando para ficar ao seu lado.
Seu próximo abano com a mão não foi nada receptivo. Eu tinha que achar outro esconderijo para mim. Com certeza aquele não era Rafael.
Eu não quero jogar isso, sua mula ambulante!
Corri para trás da árvore grossa onde havia mais um jogador.
— Rafael?
— Se esconda! — o homem ordenou abafado impacientemente. 
Minha própria equipe me odiava. Típico. Maya devia estar achando tudo aquilo muito engraçado.
Ultrapassei o túnel, chegando a barricada de concreto.
— Rafael?
— Mulher, você vai nos fazer perder! — a dona da voz agarrou meu braço e me puxou para baixo — O plano é não ser atingida e nos mantermos separados, mas agora espere aqui que a qualquer momento soam o alarme!
Minha parceira de jogo soltou um palavrão no mesmo momento que eu, mas sua motivação provinha da minha habilidade de estragar as coisas, sua fala tão extensa lhe embaçara os óculos da máscara. Tenho certeza de que ela me expulsaria naquele momento se uma sirene potencialmente nociva aos ouvidos não disparasse no ar. Constatei tarde demais que nem ao menos saberia se Caitlin havia entrado.
No próximo segundo, o campo ganhou vida. Graças à minha excursão para achar Rafael, o time contrário sabia a maioria de nossas localizações e mirava impiedosamente, explodindo nossa volta com tinta vermelha. Daniels não havia avisado que economizassem munição?!
Não demorou muito para “reagirmos” — entre aspas porque permaneci no lugar —, “nos” deslocando para novas proteções e devolvendo os tiros. Eu só conseguia pensar em agradecer por não ser soldado na 2ª Guerra Mundial. Se dependesse das minhas habilidades, minha Pátria afundaria mais rápido do que o Titanic. O melhor plano que eu tinha para sair viva dessa era permanecer escondida até o fim do jogo.
Estratégia esta que logo se mostrou ineficaz. Meu sentido animal de autopreservação me obrigou a dar uma espiada quando um soldadinho de faixa amarela enrolada no braço sinalizou com fervor para mim. Meu inimigo se aproximava, já a par da minha posição. Desejei ardentemente que não fosse Maya, também torci que Daniels estivesse brincando sobre os hematomas.
Me estirei no chão e coloquei a cabeça para fora da barricada lentamente. Péssimo movimento. O tiro foi disparado em minha direção, e se eu demorasse um milésimo a mais para me esconder, a explosão seria em meu rosto. Vagamente recordei do cartaz exposto na recepção. Tiros na região da cabeça não eram válidos e aceitáveis. Certamente, Maya não se importaria com isso. Mas se aquele jogador fosse ela mesmo, suas balas eram de tinta.
Engatinhei para o lado contrário no intuito de me esquivar, utilizando a barricada como o empecilho entre nós. Dei um pulo de susto quando ouvi a explosão de tinta perto de mim, e ao procurar a origem do som, vi meu oponente atingido no peito. Meu salvador, agachado junto à sacos que uma vez foram brancos, me mandou correr. Não esperei para ver se era seguro sair ou identificar o jogador eliminado, me arrastando para trás dos tijolos.
Ao se achar em desvantagem, o time vermelho cessou fogo, estudando melhor suas estratégias. O ambiente se silenciou, as pessoas se movendo rápido demais entre as proteções dificultava todo o trabalho. Eu mesma entrei na rotatividade, me lembrando de que Rafael precisava de ajuda. Joguei a covardia para o fundo do estômago e entrei na luta. O jogador atingido deixara o campo ainda de máscara, mas eu sabia que Maya não se daria por vencer daquele jeito.
Agacha, espia, se esconde, se joga no chão, mira, atira, corre. Um ciclo infinito de comandos repetitivos enviados pelo meu cérebro e nada de identificar os que eu procurava. Pensei seriamente que Maya havia me enganado e levado Rafael para outro Paintball, ou pensado que eu demorara muito e por isso havia ido embora, quando adentrei para a mata e avistei ao longe um dos meus parceiros caído no chão. Meu primeiro pensamento foi Rafael.
Disparei entre o verde que subia cada vez mais alto em minha pernas, tirei a máscara idiota e o gritei.
— Rafael!
Me abaixei junto ao corpo sentindo meus músculos se contraírem, preparados para agirem caso ele estivesse ferido. Deixei o marcador ao meu lado e levei minhas mãos para sua máscara no ensejo de confirmar sua identidade e estado de consciência.
Meu coração parou na boca assim que pude ver o rosto da pessoa à minha frente; e em seguida eu estava no chão, presa entre suas pernas esguias.
— Surpresa! — uma Maya com o maxilar inchado me saudou, apontando seu marcador no meu rosto. 
O susto me jogou na defensiva, e como uma pessoa claramente em desvantagem, deixei minhas mãos abertas em frente ao peito como sinal de rendição ao passo que espiava a minha volta à procura de alguma arma que pudesse ser usada contra ela. Meu marcador e minha máscara estavam fora de alcance.
— Você sabia que não podemos tirar a máscara dentro do jogo? Essas bolinhas de tinta podem quebrar os dentes e cegar.
Nenhum objeto disponível a não ser minha lábia. Vamos lá, Faith.
— Aonde está o Rafael? — perguntei, minha voz firme deu a impressão de que eu estava muito corajosa. Eu esperava que estivesse.
— Aonde estão as crianças?
Trinquei os dentes, furiosa com sua falta de empatia. Ela queria mesmo devolver crianças inocentes à um assassino bárbaro e egocêntrico? Houve apenas um breve momento desde que a conheci em que cogitei sentir pena porque eu a usava, mas tudo parecia muito mais do que justo para mim agora.
— Eu não sei de que crianças você está falando! — insisti.
Maya começou a rir, e aquela foi a primeira vez na vida em que não achei risadas maléficas engraçadas. Nos filmes, desenhos e séries, o riso grave de um vilão se tornou tão clichê e patético que é impossível despertar medo até mesmo em suas vítimas. Ao vivo e a cores o caso é bem diferente. Principalmente por Maya ter uma espingarda enorme apontada para o meu rosto, ainda que tenha indiretamente revelado terem só bolas de tintas ali dentro. Eu odiava ir ao dentista, não queria reconstruir minha arcada dentária.
— Você está brincando muito com a minha paciência. Está vendo o que fez com meu rosto? George me ensinou que essas coisas nós devolvemos multiplicado em cem vezes, reafirma a soberania do predador.
Enrole até encontrar uma saída viável.
O comando sussurrado em minha mente não tinha o timbre da voz de Justin, e aquilo apertou meu coração. Eu não queria perdê-lo da minha memória. Se superar a dor de sua ausência significasse deixa-lo ir, eu preferia permanecer como estava.
Repentinamente, fibras rápidas alarmaram meu sistema nervoso de uma dor aguda em meu estômago. O ar saiu como uma lufada por minha boca, no fundo da garganta eu podia sentir o gosto de ferro produzido pelo sangue. Maya havia me atingido com o cabo do marcador.
— RESPONDA!
Eu recuperei o ar, arquejando.
— O relógio está girando, Faith, e eu não vou cair sem te derrubar comigo!
— Maya... — eu tossi, me esforçando para empurrar a voz pra fora da garganta — Não sei do que você está falando... Mas se você se meteu em algum problema... eu posso te ajudar.  
Ela apertou os olhos, não acreditando na minha mentira. A fúria em seu rosto, movida pelo instinto de sobrevivência, me avisava que seria melhor se ela me matasse do que concretizasse os planos que se passavam em sua cabeça em busca de uma confissão. Eu não me importava com o que aconteceria comigo, em nenhuma hipótese lhe daria a única dica que eu tinha sobre o paradeiro das crianças.
— Resposta errada.
A ponta gelada do marcador se encostou à minha bochecha. Em um breve instante de reflexão, constatei que não conseguiria empurrá-la de cima de mim rápido o suficiente para que não atirasse, mas também não ficaria sem lutar. 
Na iminência dos meus movimentos, mais uma explosão de tinta soou no ar, perto o suficiente para que eu fechasse os olhos com força, o último e primeiro recurso de defesa de um ser humano. Esperei pela dor lancinante. Em contrapartida, a lamúria não provinha dos meus lábios. Maya estava arqueando as costas, desconcentrando o peso em cima de mim. Mesmo sem compreender, rolei debaixo dela, me libertando.
— Corre! — o grito de Caitlin denunciou sua posição de ataque para cima de Maya.
Analisei suas condições de vitória antes de qualquer movimento. Como eu, Maya estava sem a máscara, mas Caitlin, que empunhava com firmeza o marcador, não. Sendo assim, contornei as duas, correndo em direção aos outros jogadores. Eu planejava entrar no meio do campo e alertar sobre o perigo. O jogo terminaria, Rafael se revelaria, a polícia seria chamada e essa negligência de Maya seria o suficiente para George se resolver com ela sem que eu precisasse levantar minha mão, eliminando um dos meus problemas.
Seria o plano perfeito se a algumas árvores de distância do campo aberto uma parede não se colocasse entre mim e meu êxito. Uma parede loura e escultural.
— Olá, Faith.
Você só pode estar brincando.
Um conselho muito importante para se viver nesse mundo: não importa o quanto as coisas estejam ruins, elas sempre podem piorar.
Estagnei onde estava, desfrutando o arrepio descendo do meu pescoço até os dedões do pé. Praguejei contra Annelise e sua calça de couro à minha frente. O que fazia aqui? Como entrara sem os equipamentos? Estaria ajudando Maya? Por quê faria isso?
As respostas não eram tão difíceis assim de serem encontradas. Annelise entrava onde queria e como queria. Seu sonho de princesa parecia ser me ver na fossa. Mais uma maneira de me ferrar era como lhe dar um bônus no serviço.
A essa altura, parecia bobo me importar que eu me assemelhasse a um saco de lixo no momento enquanto ela simulava estar pronta para um comercial de shampoo. Aquilo só aumentou minha vontade de quebrar a cara dela no meio. Muito inteligente da minha parte ter deixado o marcador para trás. Busquei, visualmente, alguma pedra no chão, melhor seria se fosse grande o suficiente para afundá-la até o inferno.
Deus, esse não era exatamente o resultado que eu esperava da minha oração.
— Tudo bem, sem cumprimentos. Vamos sair daqui? Conheço um atalho para não ter que passar por aquele campo nojento.
Lhe fuzilei com os olhos, recuando. Eu não queria levá-la até a Caitlin, então minha escapatória era seguir pela esquerda.
Annelise viu meus planos.
— Eu não estou nem um pouco a fim de correr hoje, sério, você quer me fazer o favor...
Pensei rápido. Suas mãos estavam vazias, o que significava que de longe não me atingiria. Aproveitei a distância já existente entre nós e me lancei entre as árvores. Annelise estar na jogada não alteraria minha ideia inicial, conseguiríamos tempo para fugir criando um escândalo com os jogadores no campo. Facilitaria muito mais se eles já começassem a ajudar. Enchi o pulmão de ar, ignorando a pontada no meu estômago, e gritei:
— Socorro! Socorro! Socorro!
Eu não conseguia ouvir os passos me perseguindo, e ao invés disso me reconfortar, me deixou mais apavorada. Olhei para trás seguidas vezes, já sem saber para qual direção eu estava indo no campo idiota sem fim. O engenheiro de toda essa estrutura merecia parabenizações, realmente conseguira representar, perfeitamente demais para o meu gosto, o desespero infernal de campos de batalha. Quando voltei minha cabeça para frente outra vez, trombei com um jogador escondido atrás de uma das árvores. Ambos cairíamos no chão se ele não me firmasse pela cintura, soltando seu marcador.
— Faith? — apesar da máscara, reconheci a voz de Rafael.
Parecia bom demais para ser verdade.
Soltei um suspiro rápido de alívio, despejando em seguida:
— Você está bem?! Nós temos que sair imediatamente daqui! — meu estômago doía e o cansaço me rondava, eu não podia reclamar da minha voz falhada.
— O quê? Onde está sua máscara?
Neguei com a cabeça e segurei seu braço, puxando-o comigo. Eu não tinha tempo de lhe explicar tudo, uma vez que era notório sua ignorância no assunto.
— Ei, o que está fazendo? Use a minha — escutei Rafael com mais clareza, vendo sua máscara estendida para mim. Ignorei a oferta e reparei na faixa vermelha em seu braço. Claro que Maya havia nos colocado em times opostos, eu nunca o encontraria se ficasse fugindo dele.
— Escute, o jogo acabou, precisamos sair daqui!
Rafael se recusava a andar mais rápido, hesitante.
— Pode me explicar o que aconteceu? Coloque a máscara, por favor, é perigoso ficar sem ela, Faith — ele soou ansioso.
Olhei para os lados, paranoica. Annelise apareceria a qualquer momento e eu ainda precisava voltar para buscar Caitlin. Ou nos encontraríamos no carro?
— Não dá tempo, só confia em mim.
— Faith, o que...
— Podemos parar de brincar agora? — Annelise interrompeu Rafael com irritação, brotando das árvores como um espírito vingativo.
Imediatamente, passei Rafael para trás de mim, choramingando interiormente pela capacidade física da loura estúpida. Ela não parecia ao menos suada, pelo amor de Deus! Seu cabelo de ouro esvoaçado era o único indicio de que correra.
— Eu estou avisando, se você se aproximar... — deixei a ameaça implícita no ar. Na verdade, minha criatividade não estava muito boa. Ou a minha habilidade de mentir se desgastara.
Ela expirou, avançando para mim.
— Ah, foda-se.
Numa inspiração momentânea reflexiva, movida pela adrenalina, empurrei Rafael para trás pelo abdômen e simplesmente pulei sobre ela com toda a força. Da última vez em que esperei na defensiva com Annelise, terminei com uma marca no braço, e eu não esperaria para ganhar uma segunda. Se ela estivesse com o canivete hoje, não lhe daria tempo para pegá-lo.
— Faith! — Rafael me gritou, sobressaltado.
Nós duas caímos no chão, minhas mãos já direcionadas para o seu pescoço no intuito de enforcá-la. Mais rápido do que eu podia prever, ela usou apenas uma mão para segurar os meus pulsos com uma força de urso, torcendo-os.
— Sua imbecil! — gritou, histérica.
Eu ignorei a dor provocada, e ao mesmo tempo em que tentava me libertar, consegui dar uma cotovelada de raspão em seu peito. Minha vantagem terminou por aí. Annelise usou minha própria estratégia contra mim; sua mão livre agarrou meu pescoço como garras, me deixando instantaneamente sem ar. O sangue latejou em meu rosto.
Menos de um segundo depois, fui afastada dela por dois braços entrelaçados em minha cintura me levantando no ar como se eu fosse uma folha de papel. Com a garganta livre, tomei fôlego pela boca desesperadamente, ainda sentindo uma pressão em volta do meu pescoço. O oxigênio passou como um gelo por todo o sistema respiratório, e estranhamente caiu em minha barriga. Meu corpo todo reagiu, desperto, agitado; provavelmente um protesto pela quase derrota mortal.
Imaginei que fosse Rafael, mas assim que Annelise se pôs de pé como um furacão, ele a segurou pelo braço. Não tive tempo de avisar que era uma má ideia, me recuperando do enforcamento mais rápido e eficaz da história. Ela torceu o braço dele com agilidade, e ele, gemendo, caiu de joelhos. Sua capacidade de derrubar um brutamonte como Rafael no chão sem ao menos se virar para ele deveria ter me alarmado, ainda mais porque ela vinha pra cima de mim; porém, elenquei prioridades, me debatendo contra quem me segurava.
— Se... Você... Não... Me... Soltar...Vou... Arrancar... Seus olhos... Na unha! — esbravejei como um gatinho rouco.
O cerco estava se armando para mim, de modo que eu podia ler no gramado que meus pés não alcançavam: Aqui jaz Faith Evans.