Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

One Love 32

JUSTIN.

Eu tinha conhecimento de que ela ficaria furiosa. Podia deliberadamente visualizar as rugas de desaprovação afundarem-se nos cantos de sua boca sem dificuldade. Elencara todos os motivos possíveis pelos quais não deveria voltar à sua vida, e ainda assim, ali eu estava. Observando-a adormecer em meus braços, não me culpei. Faith dormia tranquilamente em meu peito em contraste com as circunstâncias que nos encontrávamos, serena e fascinante. Com cuidado, delineei os traços de seu rosto, não me preocupando com a desculpa que deveria inventar por ainda estar acordado, fixado em seu rosto, caso ela despertasse.
Honestamente, o motivo que gritara tão ardentemente a ponto de submergir minha consciência estava diante de mim. Argumentei comigo mesmo que não podia abandoná-la a própria sorte, tomando-a como minha responsabilidade. No fim, Faith realmente precisava de minha ajuda, então a próxima mentira que contei a mim mesmo foi me limitar a cuidar de sua segurança sem me deixar envolver outra vez, e assim, retornaria imediatamente ao Canadá. Deveria saber, envolver-me à sua presença era um modo de dizer que subestimava o que aquele ser franzino podia fazer comigo.
Em um mundo idealizado utopicamente, viver com meus irmãos e minha mãe era suficiente, não precisava de mais nada. Mas surpreendi-me ao sentir-me incompleto, o pedaço faltante possuía nome e personalidade certa. Sem escrúpulos, podia afirmar que a beijaria no segundo em que seus olhos alcançaram os meus, despertando centelhas adormecida em meu cérebro. Então é assim que nos sentimentos vivos? Pensara. Preocupei-me com sua dor durante todos aqueles meses, a qual durava mais do que o esperado, e ignorei completamente quão fria era a sensação de ser invisível aos seus olhos. Não havia como negar, Faith Angel Evans detinha monopólio de todas as minhas decisões.
Para mim, voltar temporariamente a sua vida não danificaria o cerne do meu ato altruísta, podia ver que ela finalmente estava seguindo em frente, então não me quereria de qualquer forma. Se eu achava que conhecia emoções contrastantes antes, me enganara bem como é feito para induzir criancinhas a acreditar em Papai Noel. Imaginar Faith nos braços de outro homem amarrava minhas tripas uma a uma e as puxava para fora pela minha garganta ao mesmo tempo em que me reconfortava saber que ela ficaria bem. Estar ao lado dela ampliava essa noção, rompendo com uma navalha gasta todas as minhas articulações.
Então, a noite passada aconteceu. Experimentei seu corpo inteiro reagir a mim inebriadamente, tateando às cegas os prazeres exclusivos que nós dois juntos produzíamos, como uma nota musical fora da escala melodiosamente mais intensa e envolvente que todas as outras. O caos se formara, quase a possuí ali mesmo, ansioso para desvendar todos seus cantos ainda desconhecidos por mim. Eu a queria por inteiro. Não podia idealizar nada mais arrebatador do que me afogar em seu cheiro.
Cobicei seus lábios rosados e carnudos entreabertos e prendi a respiração. Todos os planos se realinhavam discricionariamente em minha mente. Decidi que a névoa exalada de seu corpo não me permitiria pensar direito, forcei meu autocontrole ao máximo e pulei para fora da cama cuidadosamente, temendo acordá-la. Vesti a camisa de Caleb que deixara dobrada perto de mim e flagrei as pálpebras ligeiramente trêmulas de Maya. Instantaneamente, meu olhar desceu para seu pescoço moreno indefeso, as veias cheias de sangue abrigavam o veneno existente por trás de sua couraça atraente. Flexionei meus dedos, medindo a força e tempo necessários para privá-la do oxigênio que a mantinha injustamente respirando. Minha visão periférica ainda recebia a imagem de uma Faith desacordada e enrolada aos lençóis a apenas alguns centímetros de mim, tornando mais concretos os berros e tapas que ela me daria se deparasse com aquele verme jazendo em seu sofá. Por algum motivo totalmente incompreensível, Faith se importava com a vida de Maya.
Provavelmente resultado da força de ódio que eu lhe lançava, a assistente pessoal de George não conseguiu prosseguir com seu papel de bela adormecida, direcionando seu olhar de animal em extinção para mim. Caminhei tranquilamente para perto dela e agachei à sua frente de modo que sentisse sua respiração bater em meu rosto devido à proximidade. Se houvesse respiração, já que ela paralisou todos os membros do corpo em alerta.
— Bom dia, Maya — estiquei o canto dos lábios — Está achando agradável o ar dessa manhã?
Sabiamente, a criatura desprezível escolheu não mover a boca. Se sua voz detestável fosse a primeira coisa que eu tivesse que ouvir no dia, cortaria sua garganta com o canivete em meu bolso.
— É importante que me ouça com atenção. Veja, preciso passar na casa de Caitlin agora, consequentemente, terei que deixar Faith sozinha nesse quarto com você. Não planejo demorar mais do que vinte minutos, ainda assim, receio que esteja disposta a fazer alguma estupidez — olhei teatralmente para Faith na cama atrás de mim e pisquei para Maya — Portanto, devo avisá-la que se encontrá-la com um fio de cabelo fora do lugar... — franzi um pouco a testa e balancei a cabeça. Depois, esvaziei meu rosto de qualquer expressão — te juro que varrerei qualquer resquício seu da face da terra. Com isso, incluo também seus ascendentes, descendentes, colaterais e afins. Atente-se para o fato de que não esperarei explicações suas, qualquer sinal de perturbação que eu encontrar nela serão de sua responsabilidade — finalizei com uma voz cortante — Estamos entendidos?
Lentamente seu rosto se retraiu, mas não muito mais do que um centímetro, presa aos olhos de um predador. Pensei que teria que repetir tudo outra vez já que ela demorou para ultrapassar o estado de pânico e assentir quase imperceptivelmente. Desde que conheci Maya, soube que ela faria qualquer coisa para sobreviver, e nesse caso, sua sobrevivência dependia do estado de Faith. Não tive dúvidas de que ela não levantaria um dedo para sua colega de quarto, ambos sabíamos que eu não fazia promessas vazias e a caçaria até o inferno se encontrasse um arranhão na pele macia onde eu me perdia. Ademais, nós éramos — exclusivamente por culpa de Faith — seus aliados agora, ela não teria para onde correr.
Dei dois tapinhas firmes em sua bochecha e me levantei, sorrindo agradecido a ela.
— Ah, por favor, se Faith acordar, diga que não chegarei perto dos Peters.
O vento bateu fresco e livre em meu rosto conforme eu me inclinava sobre a moto e aumentava a velocidade, debochando do maior número de leis de transito que eu podia contar. A máquina abaixo de mim era silenciosa, respeitando o barulho suficientemente alto dos meus pensamentos. A luta interna se resumia a uma tentativa árdua de deixar aquela mulher de fora da minha cabeça por dois segundos que fosse. Contraditoriamente, quanto mais longe eu ia da sua casa, mais rígidos ficavam meus músculos, recusando sua ausência fisicamente dolorosa. Geralmente, eu não me incomodava com a dor, mas Faith também fez o favor de mudar isso para mim, tornando insuportável qualquer perturbação relacionada a ela.
Por fim, desisti de tirá-la dali e deixei meus neurônios livres para ver aonde aquilo me levaria. Acabei entrando em uma bifurcação da minha mente, apresentando as opções que outrora gritavam para mim. A verdade era que minha vontade tão pouco importava, então procurei friamente deixá-la de fora para avaliar a situação. O agravante apareceu bem expresso no espelho retrovisor e, com um palavrão baixo, virei de uma vez para a rua sem saída à direita, freando a moto brutalmente de forma que os pneus deslizassem e estacionasse em sentido vertical no meio da via.
Descansei a mão esquerda no cós da calça onde guardava a FN Browning HP MKIII cutucando minha cintura enquanto observava a Suzuki GSX-R1000 obrigatoriamente se deter a um metro de mim. Annelise exibiu seus cabelos louros, tirando o capacete lentamente demais para dar o efeito que ela queria, em seguida, passou a mão distraidamente por seus fios para organizá-los para trás e a esquerda. Suspirei de impaciência até que um sorriso divertido brincasse na ponta de seus lábios assim que os olhos azuis pararam em mim.
— Saudade de nossas competições, huh?
O sol brilhou atrás dela, ironicamente contornando suas formas como se fosse um ente divino.
— Presumo que saiba não estar me surpreendendo com sua presença aqui, certo?
Ela ergueu os ombros distraidamente.
— Não aguentei de saudades.
— Quer saber se já eliminamos o contratante para George se ver livre em fazer o que quiser com Faith?
Annelise forjou repugnância em suas sobrancelhas.
— O quê?! Já se esqueceu do profissionalismo de seu avô para acusar-nos dessa maneira?
Descartei sua atuação com um gesto da mão.
— Você sabe que não sou tão ingênuo assim. Então, o que quer? Esfregar sua afronta no meu nariz? Socializar antes da guerra? Espera que eu te ofereça uísque?
Ela desceu de sua moto reluzindo em seus trajes de couro preto, a blusa sem mangas apertada sobre os seios deixava a vista um zíper convidativo para ser puxado até o meio do umbigo. Deslizou como uma cobra para perto de mim, deixando a mão pousar em minha coxa. Um brilho sugestivo em seus olhos demorou-se pelo meu corpo até chegar em meu rosto.  
— Ah, Justin, quer mesmo falar de negócios agora? — dedilhou seus dedos por minha perna, perigosamente subindo.
Detive sua mão com um safanão e concentrei todo o olhar violento ao seu rosto.
— Sabe mesmo o que eu quero? Arrancar esse sorrisinho indolente do seu rosto com uma tesoura e espetar seus olhos arrogantes com agulhas finas.
O som de seu riso infantil preencheu o ar a nossa volta e ela se inclinou um pouco mais para perto de mim, passando a ponta das unhas grandes e vermelhas em minha bochecha audaciosamente.
— Tenho outras sugestões mais agradáveis para você, J.
Agarrei seu pulso quando ela desenhava o contorno da minha boca, puxando-a para perto de mim, a centímetros do meu rosto. Ela sorriu vitoriosamente enquanto encarava o objeto de seu desejo.
— A sugestão mais agradável para mim no momento seria você ser atingida por um canhão — falei baixo e firme, depois empurrei-a com ímpeto para longe.
Abusando de seu equilíbrio sobrenatural apoiou-se em suas botas pretas cambaleando apenas uma vez e revirou os olhos ainda bem-humorada.
— Vai contar para Faith que eu ainda faço seu coração bater mais forte? — o tom desprezível que usou para pronunciar o nome dela me fez ranger os dentes.
 — Como uma pessoa tão amargurada você deveria reconhecer os efeitos provocados pelo ódio, não? — ameacei arrancar com a moto antes de ouvir sua última proposta.
— Podemos dar um jeito em sua moral na Companhia, J. Última chance.
Parei para pensar. O motivo não devia ser o mesmo que ela imaginava. Tive que lembrar a mim mesmo porque deveria deixá-la viva mais algumas horas. Foi preciso muito para pisar no acelerador e abandoná-la intacta atrás de mim. Alguns olhares rápidos no retrovisor foram suficientes para concluir que me deixaria em paz por hora.
Mesmo sabendo que aquele era o resultado mais óbvio, me enfureci ao encarar a constatação de frente. Os Peters eram o menor dos problemas que Faith tinha, também não era novidade que a culpa só podia ser minha. Talvez se eu não tivesse voltado para Minnesota a Companhia não lhe perturbaria após constatar que ela não tinha envolvimento. Agora George sabia que eu estava vivo e protegendo-a e ela nunca deixaria de ser um alvo.
Não, se eu não tivesse voltado ele encontraria outra forma de colocar as mãos enrugadas nela, nunca a tiraria da sua lista de suspeitos. A causa de todo aquele tormento foi minha tentativa patética de resolver seu contrato ano passado. Amontoei um desastre sobre outro como consequência. Desferi um soco no guidão da moto em movimento e a direção vacilou. Logo restabeleci o controle e dirigi apressadamente para a casa de Caitlin.
No estado em que estava, me senti tentado a abrir a porta no chute ao invés de usar a chave, e lamentei que George houvesse confiscado meu restaurante para Patricia — no qual eu descarregava toda essa ira pulsante de dentro de mim — quando decidi estupidamente que morrer era uma saída inteligente.
Fechei as mãos em punho e paralisei no meio da sala. Cerrei os olhos e escutei minha respiração entrando pelo meu nariz e saindo pela boca num apelo por autodomínio que eu praticava bastante ultimamente. O sentimento de desprezo que sentia por mim mesmo não ajudou. Formular quando e como contaria a Faith também não. Convenientemente, eu conseguia visualizar uma única saída. Uma que seria a mesma coisa que assinar o atestado de óbito da pessoa que eu mais amava na vida.
Minha conversa despreocupada com Patricia permeou minhas lembranças.
— Você sabia o que Jeremy fazia quando escolheu se envolver com ele? — perguntara, incapaz de reprimir a curiosidade mórbida.
— Não — ela dissera, unindo as mãos no colo e ajeitando-se no sofá, movimentando o corpo como uma tentativa de distrair-me do lampejo que passara em seus olhos — Soube um pouco depois. E aí já era tarde.
— Tarde? — insisti, recusando-me a aceitar seu suspiro fadigado como a conclusão do assunto.
— Sim. Eu já o amava e não abriria mão dele por nada — confessou num tom um pouco envergonhado. Amar um assassino era motivo de desonra. Percebi um leve incômodo arranhar as paredes do meu estômago.
— Mas ainda assim vocês terminaram.
Agora eu podia ver o que ela tentava esconder em seus grandes olhos azuis, uma espécie de tristeza reprimida.
— Sim, mas a escolha foi dele. Tivemos várias discussões acerca do futuro. Ele teria que mudar para os Estados Unidos, e eu não estava tão disposta a isso por sua causa. Não queria que crescesse nesse meio, mas isso parecia ser uma das maiores ambições de Jeremy. Não havia ao menos cogitado a ideia de que podia abandoná-lo quando ele foi embora com você — esfregou a palma das mãos em suas coxas, não soube dizer se para enxugar um possível suor ou para confortar-se com seu próprio calor.
— Se arrepende? Quero dizer, de tê-lo conhecido?
Patricia abriu a boca para responder varias vezes, chegou a balbuciar algumas palavras sem sentido, depois sorriu ternamente e alcançou minha mão inerte em meu colo para afagá-la. Não me afastei imediatamente, concentrado nas informações que seus olhos transmitiam.
— Ter você foi uma das melhores coisas que me aconteceu — respondeu, apenas.
Empurrei minha próxima pergunta goela abaixo, tirando minhas próprias conclusões. Jeremy estraçalhara sua vida de tal modo que ela não podia mais imaginar-se sem todas as coisas que ele lhe trouxera, por mais que a maioria delas fosse dor e destruição. Ele se tornara um ponto crucial em sua história, marcando-a para sempre. E por mais que negasse admitir, sentia falta dele. Estava disposta a lutar pela sua alma enquanto estivessem juntos, e lamentava o destino que haviam tomado.
— Poderia ser diferente, sabe — continuou, repentinamente — Todos precisamos de escolhas.
Escolhas. A mágoa mais profunda de Faith se baseava a minha tendência frequente de retirar-lhe essa regalia. Dessa vez, portanto, eu deveria lhe apresentar todo o leque de possibilidades, por mais terríveis que fossem, para mim ou para ela. Agora era sua vez de escolher por nós dois.
Pensei em dizer-lhe depois que nosso problema com os Peters estivesse resolvido. Senti-me imensamente tentando a ir à casa deles e encerrar com aquilo em dois segundos, o que colocaria, consequentemente, o assunto mais importante em pauta. A principal razão de tê-los deixado vivos para chegar ao almoço dos Evans era prorrogar essa fatalidade. Aliás, por um lado, eu deveria agradecê-los pela oportunidade que me deram de conhecer aquela que descia até as trevas para alcançar-me. Mas o que gritava mais alto era vontade de arrancar o coração dos três rapidamente para que o enxergassem bater na palma da minha mão antes de arrefecerem devido ao transtorno que causavam à Faith.
Contemplei-a na sala de estar com os seus, cheia de rugas em toda a expressão perturbada. Tive certeza de que as notícias que lhe traria não a deixariam em estado muito diferente. Parecia extremamente injusto que um ser egrégio como aquele passasse por tantas dolências. Ouvi os Evans palestrarem sobre seus planos e Faith começou uma queixa com Ryan e Caitlin sobre sua participação no brunch, enrolava os cabelos rebeldes nervosamente, argumentando com seu beicinho mais teimoso e insatisfeito. Quis saber se sempre que eu a olhasse seria como levar um tiro no peito para depois ser suturado por suas mãos delicadas e firmes. Aquelas emoções me deixariam de joelhos em sua frente para implorar, não havia dúvida.
Assim, resolvi subir ao seu quarto e respirei ar puro da sacada. Acabei comparando-a a Annelise, o mais próximo que eu havia tido de uma relação amorosa constante antes de conhecê-la. Claramente não havia o voto de exclusividade entre nós dois, Annelise apenas estava lá quando eu não queria me aventurar nas ruas à procura de uma mulher para me satisfazer — geralmente uma caçada breve e gratuita, tinha orgulho em dizer que nunca precisei pagar uma mulher para estar comigo —. Ela não desperdiçava nosso tempo com conversas frívolas e eu tampouco queria saber seu estado de espírito. Nos emaranhávamos com desfaçatez independentemente do local. Annelise me fazia latejar e exteriorizar uma masculinidade primitiva alheia a bom senso e adequação social. Entretanto, sua capacidade limitava-se a uma cegueira prazerosa de minutos.
Em contrapartida, Faith conseguia perfurar o mais fundo da minha alma com um breve olhar, remexendo em tudo o que eu jurava ser mais concreto dentro de mim, bagunçando e modificando. Enxergava-me além da musculatura arduamente definida que prometia aprazimento sexual ou uma arma mortal; enxergava-me em minha dignidade de criatura, por inteiro; enxergava-me merecedor de seus sorrisos, os quais afastavam qualquer nebulosidade que pudesse me espreitar; enxergava-me como eu era e o que poderia ser. É justificável que eu tenha entrado em colapso em nossa convivência, Faith me abria em minha vulnerabilidade mesmo sem ter essa intenção. Lutei bravamente contra ela no início, até me entregar como um viciado aos seus caprichos. Em meus 24 anos vagando pela terra feito um cavaleiro da morte, Faith era a primeira e única coisa a me colocar medo. Tive medo de ser dominado por ela, medo de perdê-la e depois, medo de mantê-la egoistamente ao meu lado.
Uma mensagem sua me despertou do meu transe e me jogou na imensidão abstrata do meu ser. Faith me roubara de mim, eu também gostaria de saber onde estava. E do jeito que as coisas andavam, previa que nunca mais voltaria a mim mesmo. Pelo menos não como antes.
Ouvi todo seu trajeto embaraçado pelas escadas até chegar como uma bala ao quarto. Enrijeci, contendo a necessidade de virar-me e tomá-la nas mãos com a força necessária para fundi-la a mim para sempre. Vi-me obrigado a me voltar para trás antes que pudesse me tocar e desorganizar um pouco mais toda minha linha de raciocínio. Evitei olhá-la, lembrando-me que ainda não deveria lhe dizer nada. Mas não fiquei inteiramente surpreso quando me encurralou no closet, a mão pequena a centímetros de tocar-me. Meu corpo todo ardeu, em júbilo com a iminência do contato. Talvez se eu olhasse seus olhos perdesse toda essa urgência.
Tive visão de um fio de cabelo desgrenhado caindo solitário em seu rosto e instantemente sorri com sua natureza caótica. Caos este que não seria suficiente para resguardar-me, a determinação de Faith Evans era quase impossível de ser combatida, e sua desconfiança a impelia a agarrar-se um pouco mais a ela, como se já não fosse difícil o bastante. Eu podia ver em seus olhos que já navegava em sua imaginação fértil justificativas para meu modo de agir meio estranho e concluí que não seria mais tão benéfico aguardar até termos resolvido com os Peters. Ela tem competência legítima para infligir-se tortura psicológica. 
Preparei-me para dizer, e fui assaltado por uma série de reações estranhas em meu corpo. Todas as palavras fugiram da minha mente, fluído aquoso e incolor ameaçou tomar conta das minhas mãos e axilas, e determinada concentração de calor começava a escalar meu pescoço para atingir a glória em minhas bochechas. Reorganizei meus pensamentos conforme minha expressão deixava Faith gradualmente assustada.
— Estive com Annelise esta manhã — soltei. Eu não chamaria isso exatamente de pensamentos organizados.    
Faith cruzou os braços e arregalou os olhos ligeiramente a menção do nome que ela detestava, a cor em seu rosto atingindo certo tom de vermelho. Ainda assim, permaneceu calada, me esperando concluir. Ou provavelmente apenas tomando o tempo necessário para sua mente listar formas criativas de matar duas pessoas.
— O que eu quero dizer é... — Apressei-me — só de estar aqui ela confirmou uma alternativa que premeditei. Não acreditei que ela trairia George por uma quantia em dinheiro, qualquer que fosse. Para gastá-lo, há a premissa de que esteja vivo, e isso não ocorre com os traidores de George. Mas era a única forma de colocarmos as mãos no contrato. E para disponibilizar com tanta facilidade assim a informação, só pode haver uma justificativa. George quer os Peters fora da jogada — hesitei, acostumando-me com o ódio e desprezo que ela sentiria por mim depois da informação seguinte — Ele não pode se livrar deles sem parecer imoral, então é preferível que a informação de quem foi o contratante vaze do que a acusação de eliminar por conta própria um cliente. Assim, espera que nós os eliminemos para que ele... para que ele mesmo possa acertar as contas com você.
— Isso... — ela respirou fundo, vincos de tensão se aprofundando em sua testa — Isso quer dizer que ele sabe que você está vivo? — um toque de pavor quase desafinou sua ultima palavra.
Estreitei os olhos, cético com a informação que ela escolhera como primordial para esclarecer.
Assenti rápido, não dando importância para o fato — por mais que se pensasse nele por mais de cinco segundos pudesse sentir os músculos retesarem.
— É claro que não vou permitir que cheguem perto de você. Só que isso nos deixa com algumas opções, e quero elucidá-las para que as escolha — olhei diretamente em seus olhos, prendendo sua atenção, a qual quase se dispersava por pânico — Posso ficar aqui, e quando digo aqui me refiro onde quer que você esteja. Seria mais fácil se escolhêssemos o estado mais longe da matriz em Minneapolis, e um onde não tenha uma filial também. Se não quiser tal discrição, posso erradicá-los, de maneira que não sobre um só que possa ir atrás de você. Ou então... Você pode ir para o Canadá comigo. Eles não irão perturbá-la lá, nem mesmo aos seus amigos e familiares que estiverem aqui, tenho certeza disso e posso explicar o motivo mais tarde.
Faith engoliu com esforço, ainda assim, certa umidade espreitou seus olhos. Ela não estava triste, mas furiosa. Em meio a fúria, entretanto, estava um pavor discreto. Cravei as unhas na palma das mãos. Eu odiava vê-la assim, e ser responsável por isso não tornava o fato muito melhor. Seus olhos rodaram para todos os cantos enquanto tomava consciência de cada uma das palavras, depois me encarou com violência. Agora era a hora dos insultos e acusações completamente lógicas.
— Eles não têm mais o que fazer? — grunhiu. Colocou as mãos com força contra o rosto e balançou a cabeça, murmurando palavras ininteligíveis — Se eu for pra outro lugar virão atrás da minha família e amigos, não é? — adivinhou, falando abafado contra suas palmas.
— Sim — respondi a meio tom. Os tecidos da palma da minha mão já cediam sob as unhas.
— Então a primeira opção não é bem uma opção, certo? — ergueu a cabeça para mim, os cantos da boca puxados para baixo — E os outros... E como... Eu não poderia... Não quero que você fique se sacrificando por mim, Justin. Você não me deve nada. Estará seguro no Canadá? Você deve ir agora. Nós resolveremos tudo com os Peters — Agarrou meu pulso, puxando-nos para fora do closet — Precisa da ajuda de Caitlin e Ryan para escolta? Eu não sei se posso servir muito, mas se me instruir posso causar uma distração...
— Faith — plantei-me no meio do quarto, interrompendo sua travessia desnorteada. Ao virar-se para mim, tive a impressão de que seu rosto desmoronaria com o mais leve dos ventos, instantaneamente segurei-o com uma das mãos, embora no fundo tivesse consciência de que ela não se desfaria de verdade — O que está fazendo? Eu não vou sair daqui.
A umidade em seus olhos se alastrou repentinamente e transbordou diante do pânico crescente.
— Você vai sim, Justin. Nem que eu te leve amarrado. Você mesmo disse que os traidores de George não ficam vivos. E não sei se você se lembra, mas traiu ele. Idiota, você tem que ir embora! Ele sabe que está aqui.
Limpei seu rosto apressado, sentindo-me corroer por dentro. Eu odiava que chorasse.
— Por que está chorando? Não vou deixar que te machuquem, Faith, eu te prometo, vou cuidar de você.
Ela empurrou meu peito com os punhos fechados em direção a porta, esquecendo-se de que os seres no andar de baixo não sabiam que eu ainda vivia.
— Não me importo comigo, porra. Eu não vou suportar... não vou suportar se... Ah, Justin, não posso permitir que coloquem as mãos em você! — a histeria reforçou suas tentativas vãs de me colocar para fora do quarto.
Segui meu impulso de abraçá-la, imobilizando-a contra meu peito enquanto se debatia. Implorou para que eu a soltasse e partisse veementemente antes de dar-se por vencida em meus braços, desmanchando-se como gelatina.
— Não posso, Justin, não posso, não posso, não posso... — balbuciava.
Acariciei seus cabelos, afastando os fios do rosto molhado que ela escondia de mim.
— O quê? — perguntei ansioso.
— Deus — lamuriou num tom que me partiu ao meio — não vou existir sem você de novo. Prometa-me que não vai deixar que te peguem.
— Faith...
— Prometa — vociferou.
— Você acha mesmo que está nos meus planos deixar que me peguem? Mato todos eles antes de conseguirem, Faith — falei devagar para que entendesse — E o mesmo para você. Não vão encostar em um só fio do seu cabelo — enrolei uma mecha castanha no meu dedo.
Acreditando em minhas palavras ou não, deixou-se acalmar, respirando regularmente para regularizar o ciclo respiratório.
— Fique calma. Eles não nos perturbarão enquanto não eliminarmos os Peters. Estamos seguros até lá. Agora, posso continuar com as opções que te explicava? — roçou a cabeça vagarosamente em minha camisa.
Soltei-a por um momento para olhar em seus olhos levemente avermelhados e pequenos, segurando sua mão. Eu ainda estava esperando o ódio que a faria atirar coisas para cima de mim.
— Eu sei que a culpa é toda minha, e sinceramente, te peço perdão por isso — ela começou a negar com a cabeça e coloquei o dedão em sua boca para impedi-la de falar — Você não precisa dar a resposta agora de qual opção soa mais benéfica a você, mas a priori já quero deixar claro que... — pigarreei — O fato de estar com você não significa que será obrigada a estar comigo, se me entende. Não é isso que eu pretendo. O que importa para mim é o seu bem-estar, genuinamente. Mas se... se acha que pode... que podemos... que — palavras inúteis, se reorganizem! Dei um estalo significativo no cérebro e prossegui com firmeza — Eu gostaria de me comprometer a você, de corpo e alma. Não quero que tenha dúvida alguma de que a amo, Faith, com tudo o que tenho, com o nada que eu sou. Por isso tenha certeza de que eu trago o inferno à terra antes de deixar que te machuquem.

One Love 31

Rolei de lado, despertando de um pesadelo inoportuno. Os Peters haviam me amordaçado em sua sala de estar, Wren segurava uma espada estilo Mortal Kombat a postos, aguardando apenas a ordem dos pais para cravá-la em meu peito. Felizmente, fiquei tão perturbada a ponto de ser cuspida imediatamente do subconsciente. O suor pegajoso gotejava em minha testa e colava meus cabelos na nuca. Demorei a decidir o que seria pior: dormir novamente e arriscar voltar ao pesadelo ou levantar-me e encarar os preparativos para o almoço peculiar com os Peters.
— Faith? Tá tudo bem? — a voz enfraquecida de Maya me fez abrir os olhos. Ela me encarava do sofá, envolta na manta com a qual eu lhe cobrira de madrugada.
De repente me ocorreu. Feito uma idiota, tateei a cama, não confiando totalmente em minha visão.
— Justin não está aqui — explicou-me, adivinhando o que eu procurava.
Sentei-me tão rápido que fiquei tonta. Em menos de um segundo vislumbrei milhares de situações caóticas em que ele havia se metido.
— Onde ele está? — grasnei, rouca de sono.
— Saiu para buscar alguma coisa na casa de Caitlin. Me pediu para avisá-la que não chegará perto dos Peters e prometeu que se te encontrasse num estado minimamente pior quando voltasse, extinguiria minha árvore genealógica da terra — apertou os lábios — Por isso preciso garantir que você não está passando mal nem nada — finalizou com ansiedade.
Me joguei de volta aos travesseiros, frustrada. Alcancei meu celular embaixo de um deles e verifiquei as mensagens. Ele dizia ter saído às nove e prometia estar de volta nove e vinte, no máximo. Segundo o relógio, dali cinco minutos. Pisquei os olhos secos, meu corpo não tivera o tempo necessário para recompor as energias, mas me avisava estar desperto demais para me embalar na reconfortante — quando não agitada em pesadelos — inconsciência.
Deixei as mãos caírem no colchão, encarando o teto. Qual era a probabilidade de Deus me levar agora? Tipo, arrebatar mesmo.
— Você gosta mesmo dele, não é? — Maya introduziu o assunto vagarosamente, incerta de que podia expor o que pensava.
Olhei pra ela.
— Ele quem?
Torceu a boca.
— Justin. Dá pra sentir no ar a ligação de vocês quando estão próximos ou simplesmente trocam um olhar, como se fosse algo palpável. Sua expressão se transfigura quando o vê — descreveu, dotando certo tom de descrença — Não é uma coisa que eu já tenha presenciado por aí, então não dá pra não deixar de reparar — justificou-se rapidamente, atenta à alguma mudança em minha expressão.
Então ficava mesmo na cara o quanto eu era doente por ele, bom saber. Me remexi, desconfortável.
— Você conhece o sentimento? — reverti o assunto, não gostando nada da exposição que me encontrava, principalmente em alguém que eu não confiava.
Negou, fazendo um beicinho. Surpreendentemente estendeu sua fala em um desabafo posterior:
— Sempre achei que pudesse me contentar com olhares de cobiça sobre mim. Gosto da sensação de ser desejada e poder experimentar vários produtos — o canto de sua boca se repuxou com malicia ligeiramente — Só que não há nada de tão especial nisso. Em alguns momentos, eu só queria que alguém me olhasse como se pudesse ver minha alma de forma que fosse seu próprio sol — não piscou, imersa em seus pensamentos — e não como um pedaço de carne suculento no açougue — fitou-me — Você tem sorte.
Desde a noite em que levei Maya ao pub em Minneapolis, notei certa facilidade sua em expor sua vida em determinadas situações. Não imaginava, entretanto, que sua parte sentimental fosse tão profunda a ponto de provocar anseio por sentimentos maduros num relacionamento sério. No compartimento limitado do meu cérebro, a gaveta de Maya não permitia palavras como “compromissada”.
— Sorte?
— Conseguiu isso. E não com qualquer pessoa, conseguiu com a mais improvável delas.
Franzi o cenho, cogitando a ideia de que estivesse bêbada para dizer tais coisas.
— Talvez você não tenha entendido muito bem. As coisas não são... exatamente assim — perguntei-me se ela podia ouvir meu tom tristonho tanto quanto eu. Justin podia ser definido como meu próprio sol, mas eu certamente não ousaria superestimar minha consideração para ele.
Ela estalou a língua, revirando os olhos.
— Puro drama corriqueiro. Mas ouça o que eu digo: vocês são muito mais do que amigos coloridos.
Cruzei os braços.
— E quem disse que há cor em nossa amizade?
Ela achou graça, mal se esforçando para conter um sorriso.
— Ah, Faith, sou muito boa em ler pessoas. Você voltou toda eufórica depois que trocou de roupa ontem. E como se isso já não bastasse, ele também estava com uma roupa diferente. Acrescente o toque do leve aroma de cloro em seus cabelos e não fica muito difícil entender o que aconteceu.
Fechei a cara, impedindo o rubor de tomar conta das minhas bochechas.
— Se quer saber, eu só entrei na piscina porquê...
Levantou a mão, me detendo.
— Não precisa me explicar nada, mas também não pode negar coisas que já sei.
Virei o rosto, indignada com sua capacidade de me interpretar. E eu que achava estar evoluindo nessa história de ser um livro aberto! Fiquei mais irritada comigo mesma.
— Pense o que quiser — finalizei carrancuda, sem querer dar o braço a torcer.
Ouvi Maya se mexer no sofá.
— Nunca entendi muito bem essas coisas de filme — sua voz se alterara levemente, para não dizer que adquirira um tom de revolta. Devido a minha surpresa, ganhou minha atenção outra vez, mas não olhava para mim — Está na cara que os dois se gostam, só que insistem em ficar separados por culpa do orgulho ou sabe-se lá o motivo. Para mim sempre foi meio irritante. Pensei que isso não fosse reproduzido na vida real.
Ultrajada com seu julgamento superficial sobre mim, estava prestes a lhe explicar novamente que Justin não era bem assim quando ela decidiu continuar, alheia a tempestade que eu formava:
— Prometi a mim mesma que me agarraria a primeira oportunidade que aparecesse de uma faísca sequer de amor — vincos afundaram sua testa e o queixo — mas nunca apareceu.
Rebati sem me atentar a detalhes importantes que me fariam perceber a falta de propriedade para elucidar com tanta certeza, disposta a contrariá-la no que quer que dissesse:
— Família é o amor primordial, é o vínculo mais importante que podemos criar na terra. Não é como se precisasse de mais alguém — uma parte bem pequena de mim me acusou de hipocrisia. Havia acabado de me acertar com os meus depois de afastá-los por causa de um terceiro, não merecia um convite para palestrar sobre o assunto, por exemplo.
Sua tese, contudo, permaneceu intacta:
— Eu sei. E só comecei a procurar fora quando cansei de olhar por onde não havia nada — me olhou, os olhos castanhos tão intensos me fizeram cair do cavalo antes mesmo de abrir a boca — Veja, meus pais não passavam de dois bêbados drogados estúpidos que praticamente maldiziam a minha existência. Deixavam claro todos os dias que fui um erro e fruto de aborto malsucedido. Apenas meu pai não desprezava minha existência em alguns períodos terríveis. E vai por mim, eu preferia estar morta em todos eles. Acabei entendendo que aquilo não era demonstração de seu afeto por mim — um arrepio congelante passou por minha espinha, sentindo sua amargura se arrastar para mim e apertar minha garganta. Por outro lado, Maya endurecia seu queixo, longe de se deixar influenciar por lágrimas — Já chorei o suficiente por isso, e nunca escutei a voz covarde da minha cabeça implorando por suicídio. Sou teimosa demais para desistir de qualquer coisa, e repeti a mim mesma que venceria na vida. Fugi de Wisconsin e me instalei em Minneapolis da forma que podia. Pelo menos meus genitores inúteis serviram para me dar um rosto bonito que tornasse o trabalho fácil. Eu estava no lugar certo e na hora certa, então conheci George. Fiz um bom trabalho e ele me ofereceu uma jornada fixa. No fim, adquiri sua confiança bem quando estava precisando de uma assistente, e eis-me aqui. Consegui ter a vida confortável que sempre quis — tive impressão de que sorriria triunfante. Não aconteceu — Só não consegui que alguém tivesse algum afeto genuíno por mim. E agora também estraguei todo o restante. — Deu-se uma pausa enquanto ela mesma apreendia suas palavras. Inquietação permeou sua face até que resolvesse não se importar — Foi uma vida interessante, pelo menos. Fico satisfeita por ser a Companhia ou Justin a colocar um fim nela. Eu tentei, pelo menos. Não sou uma perdedora.
Percebi que eu me encolhia, abalada com sua história. Concluí que Maya era uma das pessoas que conseguiam vencer o mundo. Lutaria até não restar mais alternativas e partiria com a consciência limpa. Não se deixava abater totalmente com o cerco se fechando a sua volta. Acabei sentindo mais empatia por ela do que planejava e mordia língua para não lhe pedir um abraço.
— Só estou te contando tudo isso porque preciso que alguém saiba disso tudo, pra valer a pena, pra que o mundo tenha conhecimento de que não fui uma fracassada absoluta — deu de ombros transparecendo indiferença.
Eu não queria sentir pena dela, muito menos me sentir culpada por ter me aproximado daquela criatura apenas para tirar proveito de sua situação, mas não podia evitar de me reconhecer responsável. Mesmo sem estabelecer comigo mesma, eu já estava me comprometendo em fazer o que fosse para mantê-la segura. Se não fossem as circunstâncias em que nos encontramos, ela seria uma pessoa, no mínimo, interessante para se manter uma amizade.
Resolvi que já era hora de me levantar e encarar o meu dia, porém, não saí da cama antes de fazer o sinal da cruz. Depois de estar um pouco apresentável, longe da minha bagunça matinal, procurei saber sobre nossos hóspedes, guardando toda a confusão de Maya para digerir depois — precisava de um enigma de cada vez —. Ao que parece, todos estavam com o mesmo problema de nervosismo e se concentravam estranhamente na sala de estar, a qual se tornara quase irreconhecível em comparação com a noite anterior. Tudo já estava perfeitamente em seu lugar e limpo, coisa que me desconcertou um pouco devido a estes últimos meses. Não parecia mais natural que a bagunça evaporasse sem que eu me dispusesse a limpá-la.
Inicialmente, não falamos sobre os eventos que se sucederiam poucas horas dali, nos restringindo à cordialidade social esperada numa reunião de pessoas enquanto comíamos biscoitinhos doce. Bryan me passou os cumprimentos de Willian — meu antigo segurança — que lamentava estar viajando em sua folga e assim não podia me ver. No fundo, eu sabia que ele estava grato por essa coincidência de datas, isso se não viajara exatamente por causa da festa. Seria mais do que compreensível, fiz jus a meu status de mimadinha que sempre faz o que quer. Mas ele apenas me pegou numa época ruim, minha prioridade era Justin, e eu faria qualquer coisa para estar ao lado dele.
Percebi que o momento de descontração havia acabado quando Bryan se levantou do sofá e parou impotente no meio da sala, colocando as mãos no bolso, instantaneamente provocando o silêncio de todos no cômodo. Ele já sabia que isso aconteceria, claro, então esperou apenas mais cinco segundos para que o silêncio se acomodasse em nossos ouvidos e recepcionassem atentamente sua voz.
— Conversei com Eleanor e decidimos fazer um brunch, tanto por conta da hora quanto pela variedade no cardápio — informou — Liguei para Clark logo ao acordar e ele pareceu entusiasmado com o convite — embora se esforçasse para permanecer impassível, vi bem quando seu queixo travou de pura raiva. Hipocrisia tinha certa quota para ser aceitável. Olhou o relógio no pulso — Temos uma hora até que cheguem para decidirmos perfeitamente como tudo ocorrerá. Eleanor já pensou num cardápio. Você pode apresentá-lo, querida?
Bryan podia ser alvo de muitas das minhas críticas, mas eu nunca questionaria sua competência, independentemente de concordar com suas decisões, notava-se excelência nos métodos. Sendo bem-sucedido ou não, traçava os mínimos detalhes com precisão, o que geralmente lhe garantia a vitória. Então sim, para ele era importante que conhecêssemos até mesmo o que seria servido, precisava ter o controle de cada acontecimento.
Depois da exposição de Eleanor, portanto, partimos para a disposição estratégia de cada um no cômodo. A mesa do jantar fora jogada para o canto da parede de modo que tivéssemos o centro livre; as cadeiras foram retiradas. Ryan devia se manter o tempo todo próximo a mim, Caitlin e Maya próximas à Eleanor, Bryan afirmara que ele e Caleb guardariam as costas um do outro caso fosse necessário. Como medida preventiva, tomara a liberdade de contratar dois guarda-costas que se infiltrariam disfarçadamente como amigos de Maya. Desta forma, os Peters seriam induzidos ao erro imaginando que ambos estariam ali por ordem da Companhia, devido a conversa que Clark tivera na noite anterior com Caitlin e Maya. Quando o assunto se voltasse ao que interessava, quatro seguranças se direcionariam para as duas únicas saídas do cômodo, dois em cada uma. Num geral, a orientação se resumia em não nos aproximarmos muito deles e tentar mantê-los fisicamente separados.
Com o plano todo transposto para o mundo material, pode-se sentir a tensão palpável caminhar entre todos nós. Nos entreolhamos por segundos longos até que Bryan se fixasse em Hanna empoleirada ao meu lado.
— Senhorita Marin, não deixaremos de avisá-la sobre o ocorrido. Talvez eles cheguem com minutos de antecedência, então o adequado seria que nos deixasse ao menos meia hora antes. 
Hanna demonstrou seu dissentimento antes mesmo de abrir a boca.
— Com todo o respeito, senhor Evans, acredito que meu lugar é aqui. Posso ajudá-los também.
A sobrancelha do meu pai se levantou ligeiramente. Até mesmo Caleb baixou os olhos para não ferir os sentimentos da minha amiga. Todos pensávamos o mesmo. A responsabilidade de argumentar recaiu sobre mim. Segurei sua mão carinhosamente, chamando sua atenção.
— Hanna, acho melhor que você realmente vá para casa, ficaremos mais tranquilos com você lá. Não precisa passar por isso. Com você aqui apenas nos preocuparíamos com a segurança de mais alguém.
Ela fechou a cara para mim, talvez me direcionando o olhar mais feio que já havia feito desde que nos conhecemos.
— Você gosta quando é deixada para fora, Faith? Então não faça o mesmo comigo — e passando os olhos em cada um dos Evans pronunciou as palavras com firmeza — Vocês são minha família também, não podem me pedir para ficar longe num momento desses — finalizou encarando Caleb. Certamente ele era mais maleável a sua persuasão, tinha alguns problemas em lidar com sensibilidade do sexo feminino.
Meus pais não se pronunciaram mais sobre o assunto, deixando a responsabilidade inteira nas minhas mãos com um simples aviso corporal que eu bem entendia. Quis expirar desanimada, Hanna não costumava ser tão teimosa, mas compensava isso em algumas das vezes, e eu tinha certeza que essa era uma delas.
Eleanor partiu para a cozinha a fim de verificar o andamento dos alimentos com Flê, a qual burlava sua folga para ficar com os filhos devido à minha presença na casa. Depois de preparado o brunch, ela voltaria para Nicole e Jean sem conhecer a verdadeira intenção deste. Fiquei aliviada por isso, por mais que soubesse a bronca que levaríamos quando descobrisse o transtorno passado em sua segunda casa. Hanna caminhou para o lado contrário da sala claramente para me evitar e Caleb a seguiu lealmente numa harmonia um pouco surpreendente. Assim que Bryan sumiu de vista, me aproximei de Caitlin e Ryan.
— Isso também serve para vocês. Eu não quero que comprem toda essa confusão. Se algum de vocês se machucar... — estremeci.
Caitlin tocou meu ombro abusando de um meio sorriso quase grosseiro nas bochechas rosadas. Ela tinha o rosto de uma boneca delicada. E espirito de Pocahontas.
— Você sabe que não somos pessoas influenciáveis, Faith. A possibilidade de sairmos daqui é tanta quanto a de nos machucarmos. Está nos subestimando.
Apelei para Ryan, entornando meus dedos nos seus levemente. Deveria saber que para esses assuntos, meu poder de persuasão não funcionava com ele. Seus olhos se reviravam nas órbitas diante da minha preocupação, fazendo descaso.
— Até parece que não me conhece. Como eu poderia ficar fora da diversão?
Junte esse misto de “não” e ganhe uma Faith insatisfeita e enfezada. Para agravar meu humor, os cinco minutos de Justin já haviam passado há quase meia hora. A aversão que participasse daquele brunch e o receio de que parecesse possessiva me impediram de mandar uma mensagem. Entretanto, aquele combo fez o favor de me desinibir. Não pensei direito e, no estado em que estava, comecei a digitar brutamente “Morreu?”. Travei no mesmo instante ao perceber o que havia escrito, sentindo o desconfortável arrepio congelar minha alma, dando brecha ao medo pungente de se aproximar de mim. Apaguei tudo de uma vez e recomecei.
“Onde você está, palerma?”
Tive que esperar por um minuto eterno até receber a resposta.
“Em seu quarto.”
Claro, eu não esperava que ele entrasse pela porta da frente e se apresentasse aos meus pais profetizando um milagre semelhante ao de Lázaro, certo? Bom, pelo menos podia ter me avisado quando chegou.
Vi-me tropeçando em meus pés para encontrá-lo, pronunciando apressadamente alguma coisa como “já volto”. Acabei esquecendo Maya para trás e me permiti desfrutar da confiança que tinha no meu casal inusitado para ficar de olho nela. Irrompi pela porta de modo que quase caísse de cara no chão uma vez dentro do quarto, naquela abstinência doentia e asfixiante.
Meus músculos rígidos relaxaram assim que vi suas costas largas cobertas por uma blusa preta lisa combinando com o boné de beisebol em sua cabeça. Tive vontade de encurtar a distância e abraçá-lo pelas costas, me fundindo com seu cheiro. Por outro lado, apenas tranquei a porta atrás de mim e apreciei um pouco de dejà vú, devido à sua posição na sacada, do dia em que nos beijamos pela primeira vez. De fato, eu levei um baita susto quando o encontrei em meus aposentos depois da festa de Clarissa; mais tarde descobri que era um susto bom. Dessa vez, o abalo me agitava por vê-lo tão exposto visivelmente na minha sacada para quem passasse na frente da minha casa.
— O que está fazendo? — engasguei.
Ele se voltou para mim sucessivamente quase trombando em meu corpo. Eu planejava puxá-lo de volta para a segurança que as quatro paredes lhe davam, e acabei arriscando minha sanidade. Dei pelo menos três passos para trás, duvidando que o fato de estar de óculos escuro nos olhos era mesmo tão benéfico quanto meu cérebro superficialmente pensou.
— Bom dia — murmurou.
Tirou o acessório ao mesmo tempo que desviava de mim, andando pelo quarto de modo que ficássemos de costas um para o outro. Foi automático, me movi inteiramente para ter visão privilegiada dele, mas não precisava disso para distinguir certa estranheza o envolvendo.
— Onde estava? — insisti, visto que não obtive resposta para minha primeira pergunta.
Observei-o se ocupar de qualquer coisa que o isentasse de olhar para mim depois de ser breve em dizer que estivera na casa de Caitlin e deixara Maya responsável por passar o recado. Arrumou meticulosamente minha cama já arrumada, deixando o lençol extremamente liso e os travesseiros metricamente posicionados no centro. Pegou a manta que Maya havia usado e a levou de volta ao closet. Resolvi interromper por aí, fechando sua passagem de volta ao quarto com a mão estendida na frente do seu peito. Para quem ameaçara minha colega de quarto para que eu ficasse segura, ele parecia bem indiferente à minha presença.
— E então? — incentivei, não deixando de notar que ainda não me olhava nos olhos. Talvez eu tivesse lhe feito alguma coisa, pensei, mas nada me vinha a mente. Na verdade, se fossemos contar, quem devia alguma coisa aqui era ele.
— E então o quê?
Abaixei a cabeça e a deitei um pouco para o lado no intuito de receber finalmente a atenção de sua íris castanha. No passado lhe dei seu tempo, respeitei seu espaço e os resultados não haviam sido muito bons. Se ele tivesse algum problema comigo, seria melhor dizer de uma vez. Entretanto, ao impulso de levantar seu queixo eu não cederia.
Caso demorasse um pouco mais para tomar a coragem, minha afirmação se perderia por aí. Porém, ele pareceu inspirar e só depois me fitou diretamente, acrescentando um sorriso torto e pequeno repentino.
— Tudo bem?
Apertei os olhos, podia enxergar aquela armadura reconhecível que erguia quando bloqueava seu interior, filtrando toda a informação passada a terceiros. Fui direta.
— O que você está escondendo agora? — de repente me lembrei das palavras exatas que Maya utilizara para passar “seu recado”. Ele prometera não chegar perto dos Peters, o que ainda lhe dava um leque de possibilidades para me passar a perna — Fez alguma coisa?
Espalmei as mãos no batente da porta dos dois lados, representando que não sairíamos dali enquanto não falasse. Fisicamente eu não conseguiria impedi-lo caso decidisse passar por cima de mim, literalmente falando. Mas eu preferia acreditar no pouco de respeito que tinha por mim.
Levantou a mão solenemente.
— Não fiz coisa alguma, eu prometo.
Encontrei outra brecha.
— Encontrou alguém para fazer?
Ele achou graça, contudo, conteve o riso.
— Não, Faith. Não confia em mim? — o tom despreocupado quase me enganou. Identifiquei certa importância na pergunta.
— Você confia em mim? — retorqui.
O humor vacilou de novo.
— Com minha própria vida — disse como se fosse uma questão muito fácil de ser respondida, uma daquelas verdades que aprendemos desde muito cedo. Existem diversas etnias, línguas, costumes, culturas; sempre foi assim e provavelmente sempre será.
— Então pode me contar o que andou fazendo quando acordou? Que horas voltou para cá? Por que não me avisou? — temi estar expondo a obsessão que tanto quis evitar, mas eu tinha meus motivos. A culpa não era minha se ele resolvia fazer coisas de meu interesse nas minhas costas se eu piscasse um olho.
Justin camuflou o nervosismo balançando a cabeça em reprovação, franziu o cenho, tentando me convencer do meu exagero. Por outro lado, notei o maxilar levemente travado.
— Isso é mesmo necessário? Temos muito a fazer antes que os Peters cheguem.
Elevei minha cabeça e estiquei as costas para ficar bem a altura dele, canalizando toda a minha determinação no olhar. A desconfiança cresceu, enumerei milhares de possibilidades nada animadoras envolvendo ele e sua mente imensuravelmente criativa.
— Justin Drew Bieber, me diga o que é. Agora. — Pude perceber minha respiração perder um pouco do ritmo, se ele não falasse de uma vez acabaria agravando todas as hipóteses em minha imaginação fértil.
Travamos a batalha do olhar, medindo a determinação do outro a se manter fiel a seu ponto. E por mais que seus olhos derretessem minha alma, me mantive firme, alimentando as chamas da minha curiosidade quanto mais ele resistisse. Quando Justin finalmente desviou o rosto peguei certa coletânea de emoções gritantes em seus traços, entretanto, fui incapaz de identificar alguma delas.
Parte de mim acreditava que ele não queria me machucar, e tendo em vista o que passamos noite passada, entendi que poderia estar relutante em me dizer que não havia significado o tanto esperado. Poderia estar relutante em me dizer que havia confundido as coisas dentro de si e me beijar não traduzia o carinho nutrido por mim. Ou que a atração física lhe fizera me querer por instantes únicos e depois acabara.
Pensei em tantas coisas que quase desisti de querer saber e me refugiei lá embaixo como a garotinha medrosa e insegura que era, embora insistisse em provar o contrário.
— Não queria te dizer isso agora. Vai ser um dia meio complicado, é importante que esteja atenta a estes eventos.
Não reagi, com medo demais parar ousar me pronunciar. Infortunadamente ou não isso o instigou. Então pude notar perplexa um pequeno acúmulo de sangue espreitar seu rosto, dirigindo-se para as bochechas. Justin certamente não estava com raiva, o único estado emocional que o fazia corar, consequentemente, o motivo dessa novidade me deixou com as mãos suando. Talvez fosse ainda pior do que eu pensava.