Leitoras com Swag

Hey garotas, beliebers ou não beliebers. Só estava faltando você aqui! Nesse blog, eu, Isabelle, faço IMAGINE BELIEBERS/ FANFICS. Desde o começo venho avisar que não terá partes hots nas Fics, em nenhuma. Repito, eu faço 'Imagine Belieber' não Imagine belieber Hot. A opinião da autora - Eu, Isabelle - não será mudada. Ficarei grata se vocês conversarem comigo e todas são bem vindas aqui no blog. Deixem o twitter pra eu poder seguir vocês e mais. Aqui a retardatice e a loucura é comum, então não liguem. Entrem e façam a festa.
" O amor não vem de beijos quentes. Nem de amassos apertados. Ele vem das pequenas e carinhosas atitudes."- Deixa Acontecer Naturalmente Facebook.
Lembrem-se disso. Boa leitura :)

Com amor, Isabelle.

terça-feira, 28 de março de 2017

One Life 47

Minha cabeça devia estar pesando uns dez quilos, e só ficara assim quando Jeremy morreu. Me arrastei para um bar em Miami com Ryan. Eu não sabia se bebia por estar chateado ou aliviado. Na dúvida, bebi pelos dois.
Uma sirene soava perto do meu ouvido, e tateando a cama encontrei o responsável pelo som do inferno. Meu aparelho celular. Eu tentava abrir os olhos enquanto o colocava na orelha.
— Bieber? Cara... Onde você tá?
Reconheci a voz de Ryan conforme acostumava minha vista à claridade vinda da janela, repetindo sua pergunta para mim mesmo. Olhei para os lados, identificando um quarto de hotel.
Num estalo dolorido, recobrei a consciência e vasculhei a cama à procura de Faith. Ela não estava. O sol brilhava muito alto, me levando à suspeita de que nos atrasávamos para o voo.
 Tudo bem, não dá tempo. Talvez você tenha mudado de ideia, mas de qualquer forma...
Saltei da cama depressa para procurá-la no banheiro com um pressentimento ruim.
— Ryan, diga de uma vez.
O banheiro estava vazio. Voltando para o quarto, vislumbrei um papel dobrado no meio da mesa com uma caneta e seu celular novo servindo para segurá-lo no lugar.
O pressentimento ruim subiu na escala, descendo com ímpeto pela minha espinha.
 Faith está aqui na Companhia, ela disse que foram ordens suas.


FAITH.

“Você vai me odiar agora, eu sei. Pelo menos o sentimento é recíproco, huh? Nós sabemos que fugir não é uma escolha inteligente. Como você disse, sou apenas um meio, e comigo longe, podem usar outra pessoa. Isso se não usarem alguém para me atrair de volta. Não dá para proteger todo mundo.
Pense positivo, talvez Bryan dê a eles o que querem e tudo vai ficar bem. Na pior das hipóteses, você se livra de mim. Obrigada por tentar me proteger mesmo que eu não tenha compreendido suas motivações. Por favor, vá procurar seus irmãos. Você disse que mudaria por mim, se era verdade, o faça por eles. Deus vai te ajudar.
Te desejo toda a força do mundo,
Com muita pressa, Faith”
Olá, eu sou seu cérebro e estou aqui para que usufrua de decisões racionais, caso você não tenha notado.
Eu sentia cada célula auto preservativa do meu corpo me reprovar veementemente. Todos os meus músculos estavam rígidos, prontos para a fuga que me cutucava com insistência. Mas eu não ia desistir agora, estava fazendo o certo, rejeitando meu egoísmo. Tinha o conhecimento da escassez em alternativas. O prazo de Justin havia acabado, e eu sabia no fundo do meu estômago que o próximo profissional não seria tão condescendente. Por mais perturbado que fosse, não podia ignorar o fato de Justin nutrir algum sentimento por mim. Ele tinha toda a capacidade de me ferir e não o efetivara. Sendo assim, achei adequado deixar uma carta. Eu apenas lamentava a destruição iminente do quarto.
Mal podia acreditar que conseguira enganá-lo. Era praticamente impossível fugir dele, ainda mais com meu histórico fazendo com que me olhasse em alerta de segundos em segundos. De fato, ele demorou a adormecer, e após algumas tentativas, consegui fazer com que respirasse de sua própria coletânea. Não sabia ao certo a quantidade necessária, então talvez tenha exagerado na concentração colocada na fronha do travesseiro. Eu estava melhorando minha habilidade de fuga, e conjecturei outro potencial profissional. Uma espiã dos Estados Unidos. Cresci assistindo Três espiãs demais, portanto a ideia era muito bem recebida.
Ocupei minha mente em tentar relembrar alguns episódios enquanto descia do táxi, atirando ao taxista as notas que pegara na carteira de Justin — uma ilegalidade que eu esperava ser perdoável devido as circunstâncias —, evitando qualquer pensamento covarde que me fizesse mudar de ideia. O endereço que constava em um dos documentos alienados por Justin me levara a uma mansão. Não cheguei a concretizar a dúvida de que estivesse no lugar errado, alguma coisa no sistema de segurança de última geração e os mal encarados espalhados a minha vista me avisava do contrário. Se eu encarasse tudo como se fosse um dos filmes de ação que costumava assistir com meu pai, talvez não fosse tão ruim. Mas na verdade, eu estava apavorada.  
Me apresentei aos seguranças — que me encaravam fixamente desde o instante em que desci do carro — como Faith Evans, enviada por Justin Bieber. Após uma conversa que não ouvi no comunicador em um dos ouvidos do cara à esquerda e uma revista minuciosa em meu corpo trajado de calças Levis e o moletom cinza que encontrara no guarda roupa, minha entrada foi autorizada. 
O musculoso de expressão fechada que me conduziu à porta não disse uma palavra, mas seus olhos se impregnavam em mim como se eu pudesse ser uma bomba relógio ambulante. Eu não o achava paranoico, minha voz trêmula e instável há segundos atrás não inspirava muita confiança. 
Assim que a porta grande de metal — eu não duvidava que fosse blindada — se abriu, eu troquei de babá. Embora se movimentassem da mesma forma e tivessem o mesmo olhar agressivo, este me dirigiu duas palavras: 
— Me acompanhe — murmurou com a voz hostil. 
Por força do hábito, quase escapuliu um "obrigada" da minha boca, mas até onde eu sabia, ele podia muito bem estar me conduzindo a um matadouro. 
Inibida pela vistoria do segurança, procurei não investigar o lugar a minha volta, reparando apenas que os móveis amadeirados eram clássicos, uma decoração baseada nas décadas passadas, com cores escuras e frias, mas nada desgastadas. O ambiente era mórbido e me dava calafrios, me fazendo duvidar de que eles tinham aquecedor. Subindo as escadas largas revestidas de mármore crema marfil, entendi a soberba de Justin. Estava me sentindo na residência de membros da realeza. As paredes exalavam ego.  
Paramos no segundo andar e ele abriu uma porta duas folhas de madeira após cumprimentar com um aceno os dois projetos de estátua que ali vigiavam. Mesmo que minhas pernas quisessem se enraizar ali, me obriguei a adentrar o cômodo conforme a indicação em sua postura para que eu entrasse primeiro. Meu coração batia tão rápido que pensei estar quebrando minha caixa torácica.  
A sala pequena não portava muitos móveis, apenas três sofás de couro preto e uma mesa de centro transparente. As paredes pintadas em um tom acinzentado estavam lisas, sem nenhum quadro, sem nenhuma prateleira, sem vida. A janela estava escondida pela cortina grossa que combinava com os sofás, o pequeno lustre pendendo no teto servia para iluminar o espaço. Aquele desperdício de energia era como pisar no meu dedinho. 
Escutei a porta se fechando atrás de mim. Minha babá me abandonara. Jurando que chave girara no trinco, imaginei que aquela era a hora que liberariam o gás para me matar asfixiada.  
Lutei para me manter parada nos primeiros minutos, os braços cruzados contra o peito para manter tudo calmo dentro de mim. Em contrapartida, meus olhos lacrimejavam de pânico. Me concentrei no vai e vem da minha respiração, expulsando a sensação das paredes estarem cada vez mais próximas, prometendo me sufocar. O silêncio me engolia, agravando minha inquietação. Acabei me deslocando até a cortina, não sabia se a janela estava trancada e com certeza era péssima ideia mexer em alguma coisa, mas o ar passava com dificuldade em minha garganta. Eu precisava de ar puro. 
Puxando o tecido preto para o lado, fui tomada por uma nova onda de pavor. Não havia janela, a cortina era só aparência. Minhas pernas tremeram, ameaçando me jogar no chão. Corri para o sofá, desabando ali. O aperto em minha garganta aumentou. 
Você está respirando, Faith, tem ar suficiente. 
Repeti as palavras em minha cabeça, inspirando mais rápido para que o oxigênio chegasse a tempo em meus pulmões. Limpei o suor das mãos nas calças, ainda não havia acontecido nada, não tinha por quê surtar. Por outro lado, sempre tive problemas com ansiedade, então era melhor que agissem de uma vez antes que eu enfartasse. 

Já estava rezando meu quinto terço quando ouvi o barulho na porta. Primeiro o alívio relaxou meu pescoço, em seguida apertei as mãos nos joelhos. Era agora. 
O homem de olhos azuis marcantes entrou apressado e cauteloso, se fechando ali comigo. Me perguntei se eles ainda pensavam que eu explodiria em mil pedaços e se aquela era uma sala antibomba.  
Seu queixo quadrado até então elevado, relaxou assim que ficamos sozinhos. Me avaliando agora encolhida no chão gelado, ele se aproximou devagar, aparentando não querer me assustar — o que não era possível.  
— Tudo bem, você é Faith Evans? 
Se agachando a minha frente, apoiou uma das mãos no chão. A minha altura, eu podia ver as entradas que tinha na cabeça. Um indício de que seria calvo quando envelhecesse. 
Eu estava reparando nos mínimos detalhes à minha volta, ciente da possibilidade de serem os últimos que eu veria. 
Assenti uma vez, economizando minha voz para os gritos impendentes. Se eles quisessem me machucar, eu garantiria que me escutassem por dias em suas memórias.  
— Ninguém apareceu por aqui ainda, certo? 
Na velocidade que pronunciava as palavras, suspeitei que não pudesse prosseguir por muito tempo com o diálogo. 
Fiz sinal com a cabeça de novo. Ele deu um suspiro de alívio. 
— Então não te machucaram? 
Aquela conversa já estava ficando estranha. 
— O que você quer? — não me esforcei para fingir não estar intimidada. Era inútil. 
— Temos pouco tempo — ele olhou para cima, atrás de mim — Consigo meus favores, mas não sou milagreiro. Justin já sabe que você está aqui. Ele me contou do seu receio em ficar sozinha, mas vai ter que segurar as pontas mais um pouco — ele havia falado Justin ou eu já estava tendo alucinações de medo? — Sua sorte é que Guilherme está de ressaca, então ainda não apareceu. Brad já entrou em contato com seus pais para fazer ameaças com as filmagens. Eles têm até meio dia para dar uma resposta, ou a coisa vai começar a ficar feia. Claro que Justin não vai permitir chegar a esse ponto... Quer dizer, sabe me dizer o quanto você vale pra ele? 
Se eu tivesse condições, riria. O quanto eu significava para ele? O bastante para que não me matasse, pelo menos. Mas eu não queria que me resgatasse de uma escolha minha. Ele não deveria arrumar confusão, tinha que ir atrás de seus irmãos. A intenção de dizer que ele me ordenara a vir pra cá, era que se livrasse dessa e reconstruísse sua vida, não que visse causar uma revolução que com certeza o exterminaria. Se mataram Christian porque ele quis sair da Companhia, estragar um dos contratos não deveria ter uma punição mais leve.  
A essa altura, Bryan já deveria ter entendido que o risco era real, daria o que queriam e eu sairia antes que chegassem a encostar em mim. Isso se conseguissem realmente contatá-lo, já que há dias não retornava nossas ligações. Para ser mais exata, desde o dia em que Justin confessara querer me matar. Ainda me preocupava que não estivessem bem. Algumas vezes eles desapareciam em suas viagens, mas as circunstâncias eram outras. 
— Ele vai me ligar de novo e contar o plano — seus olhos se tornaram líquidos, tentando me acalmar ao perceber minha perturbação. 
— Não quero que ele venha. 
Seu cenho se franziu de confusão. 
— Sei que veio aqui porque quis, mas já deve ter entendido que foi uma péssima ideia. Justin não tem uma cara muito bonita de se ver, mas ele quer te ajudar. 
Neguei com fervor. 
— Não quero que se meta em confusão, meu pai vai dar um jeito nisso. 
Ele estreitou os olhos, me classificando como doente mental. 
— Justin não tem medo de confusão. 
— Como é seu nome? 
Sem toda a cerimônia que Justin fizera quando lhe fiz a mesma pergunta ao nos conhecermos, ele respondeu: 
— Ryan. 
Ryan, o amigo que lhe arranjara os documentos. 
— Ryan, por favor, diga que eu o mandei ficar de fora — supliquei. 
Ele olhou o relógio em seu pulso, então se levantou com pressa. Assim soube que nosso tempo havia acabado. 
— Ninguém diz a ele o que fazer — e então me jogou um sorriso largo de empolgação — Relaxe, Faith. Hoje somos os mocinhos, vamos te libertar. 
Não tive tempo de protestar, ele estava correndo para a porta, me dando uma piscadela de camaradagem antes que a fechasse. E então, eu estava sozinha outra vez. 

Eu estava olhando para os dedos das minhas mãos, passando a língua em todos os meus dentes, contemplando cada um dos meus membros e agradecendo por todo o serviço prestado naqueles vinte anos. "A coisa começar a ficar feia" queria dizer sessões de tortura, era óbvio. Eu sempre via que começavam arrancando dedos e dentes das vítimas para enviar como coação à família. Torci para Caleb guardar meu dedo com cuidado no gelo. Quem sabe uma cirurgia não consertasse depois.  
Bryan não vai deixar que encostem em você, a essa hora deve estar renunciando seus direitos na empresa em cartório.  
Era ótimo saber que meu lado positivo ainda permanecia vivo depois de tanto tempo de tortura psicológica. Agora eu entendia a finalidade do cômodo. Nos deixar sozinhos com nossa mente é o suficiente para levar alguém à extrema loucura.  
Deitada no chão com as palmas das mãos voltadas para baixo, eu sabia que meu estado estava deplorável. Eu já havia chorado, começado a redigir mentalmente meu testamento — queria que minhas coisas fossem vendidas e o dinheiro revertido ao orfanato —, cantado "mais perto do meu Deus", lamentado terminar a vida tão cedo, me despedido dos meus planos para o futuro, me conformando com as experiências vividas. Voltei no tempo e avaliei cada um dos meus atos, pensando se eu faria alguma coisa diferente e desejei ter aproveitado mais cada momento. Por fim, pensei sobre Justin. 
Era fato, apesar de tudo, não me arrependia de tê-lo conhecido. Nossos caminhos se cruzaram e ele quebrou meu coração como ninguém havia feito ante. Mas também, me proporcionou o extremo do júbilo. Me fez sentir cada veia em meu corpo. Transformou horas em segundos e minutos em dias. Me removeu da monotonia e arrancou meus mais sinceros sorrisos. Com a missão de me matar, me trouxera ao máximo da vida. E descobri que era grata. Não importava que suas intenções não fossem boas ao se aproximar de mim. Desfrutei de momentos épicos e no fim, era isso que me interessava. Em meus últimos momentos, poderia apagar sua imagem botando fogo no meu quarto para substituí-la para quando me segurou em minha queda da árvore.
Sempre tive medo de morrer sem ter vivenciado um grande amor. E se havia algo que definia nossa conturbada relação, era emoção. E que se danem as convenções sociais me taxando de louca. Já vi em algum filme que as melhores pessoas são loucas. Na verdade, queria que gravassem em minha lápide "Faith Angel Evans, louca, pirada, biruta: extremamente feliz". Provavelmente não teria espaço pra isso tudo, então me contentava com apenas meu nome. Já era sinônimo para todo o restante. 
Os passos firmes no corredor fizeram com que eu me levantasse de uma vez, me posicionando atrás do sofá para que ficasse entre mim e a ameaça.  
Nós vamos todos morrer! Gritou uma veia em meu pescoço. 
Pense positivo, pense positivo, pense positivo, retruquei.  
Diferentemente de como Ryan fizera, meu novo visitante abriu a porta com autoridade e a deixou escancarada. Para mim, não parecia bom sinal. Vestindo uma camisa slim fit preta e jeans, sua aparência despojada me faria duvidar que realmente trabalhasse na Companhia se não fosse por seus olhos tingidos de violência entre o castanho vivo e o porte físico ameaçador.  
— Já posso ir embora? — perguntei cedo demais. Era mais um pedido de um gatinho assustado do que uma dúvida real. 
Ele me devolveu um sorriso ácido, apontando para que eu saísse do quarto com uma gentileza sarcástica. 
— Da sala de espera sim. Agora vamos começar a festa de verdade — sua voz rude me deu calafrios.    
Sala de espera? Festa? Não me soava muito animador. 
Comecei a recuar de costas devagar inconscientemente. Como se houvesse algum lugar para escapar. 
— Já gostaria de avisar que não tenho problema algum em carregar você — avisou, visivelmente empolgado com a ideia.  
Parei com a hipótese. 
— Meu pai vai dar o que vocês querem, não precisam me machucar — falei depressa num tom de voz patético.  
Ele invadiu o cômodo, avançando na minha direção com impaciência. Meu estômago girou assim que minhas costas bateram na parede. Pensando bem, eu adorava essa sala, não me importava em ficar ali mais um pouco. 
Sua mão gigante agarrou meu braço e comecei a ser arrastada. O grito de protesto se perdeu em minha garganta e tentei encontrar de volta toda a coragem que me levara até ali. Só conseguia pensar que tudo daria errado. E se Bryan não quisesse mesmo ser encontrado? E se houvesse nos abandonado pelo capital? E se eu acabasse de fato morrendo e não adiantasse nada? Caleb era o próximo da lista. 
Eu ia vomitar, tinha certeza. Não podia ao menos me iludir pensando que seria uma morte rápida. Talvez eu devesse mesmo ter ido com Justin à Califórnia. Sua postura não me inspirava nenhuma ameaça comparada com meu novo carrasco. Prova disso era que com Justin ainda havia espaço para a atração. Então eu não era tão doente assim, há tempos que sua intenção não era mais de me matar. Ao menos fora isso que concluíra na minha salinha de castigo. Por um instante me detestei por não ter aceitado seu beijo na noite anterior, haviam grandes chances de nunca mais senti-lo. 
Chacoalhei a cabeça, aquela não era hora de me martirizar, não no meu caminho para o abate. Neste mérito, haviam outras questões envolvidas que eu não conseguia enxergar em meu desespero silencioso no caminho para o abate.  
Fui guinchada de volta para o primeiro andar e cada vez mais fundo no corredor à direita que serpenteava pelo imóvel. Os seguranças estagnados em cada centímetro não ousavam me olhar, deviam estar acostumados com uma cena daquela. Uma garota atravessando seu calvário terrivelmente sozinha. Eu sabia que não precisava ser assim, então chamei por Deus para que me desse forças e no fim recebesse minha alma. Não estava certa de que havia sido boa o suficiente para merecer estar no paraíso, mas não queria me atribuir mais aquela angústia. Pensar que provavelmente no final do dia estaria com meu Criador me trazia paz. "E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas."* Fiz uma prece para que consolasse os que ficariam e guiasse Justin para a felicidade eterna. 
O carrasco colocou seu dedo indicador num leitor quadrado ao lado da porta cinza bem no fim do corredor e ela se abriu. Então me arrastou por um novo lance de escadas que se iluminou assim que passamos. Um leve aroma de álcool me recebeu, acrescentando um ponto em minha agonia.  
O piso era claro e encardido, e eu tentava não me atentar às manchas em vermelho nas frestas, mais concentradas perto da única cadeira centralizada. Feita num material metálico, seus braços e pernas continham travas abertas em forma de meia lua. Meus batimentos cardíacos falharam.  
Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus.... 
Fui jogada no assento e minhas pernas amoleceram. Mesmo que eu fosse estúpida o suficiente para tentar correr, aquilo não funcionaria. Animado demais, meu novo amigo envolveu as travas em meus pulsos e canelas, ajustando para que não sobrasse espaço. Fechei as mãos em punho, me recusando a colaborar. 
De onde estava, eu tinha visão de um armário grande de três repartições do mesmo material da cadeira. Eu não queria descobrir o que havia ali dentro, embora soubesse ser o inevitável. 
Meu olfato captou outra substância diluída em álcool, desespero. As paredes cheiravam a desespero e dor. De forma muito pior, equiparei a sensação com a de sentar na cadeira de um dentista. O diferencial era que o dentista não queria me fazer mal, e mesmo assim eu tremia de medo. Naquele momento, daria tudo para estar no dentista. Se tivesse que me arrancar algum dente, ele o faria com anestesia. Anestésicos eram os últimos utensílios que eu esperava encontrar naquele armário. 
Se afastando, o carrasco me contemplou com um sorriso duro.  
— Ok, senhorita Evans, gostaria de dizer alguma palavra aos seus pais antes que comecemos nossa sessão? — ele apontou com a cabeça para trás dele. 
Tensa em tirar os olhos dele, espiei por um segundo, vendo a câmera posicionada no canto da parede. Senti meu peito subir e descer um pouco mais rápido. 
— Você não precisa fazer isso — implorei, mal ouvindo minha voz. 
Ele se voltou para o armário enquanto falava e eu olhei para o chão, escolhendo não sofrer por antecipação.  
— Aí é que está, eu preciso. É meu ganha pão. Não sou como você que tem toda a vida feita com o dinheiro do papai. E vamos ser honestos — seus pés giraram no calcanhar, virados para mim — Creio que ele não está disposto a abrir mão por você. 
Pensei que meu coração escalava para sair pela boca, ouvindo cada vez mais alto seu martelar em meus ouvidos, dificultando minha audição.  
— Podemos fazer com que colaborem, o que acha? Se eles nos ajudarem logo, você ainda pode ter alguns membros do corpo para realizar algum trabalho digno para seu sustento. 
Não levantei o rosto quando ele parou na minha frente, tentada a fechar os olhos.  
— Agora, preciso que me ajude querida, pode abrir a mão por um segundo? Depois você pode fechar outra vez, eu não me importo.  
Neguei repetidas vezes.  
Ele vai arrancar meu dedo, eu sei que vai arrancar meu dedo. Eu preciso de todos eles. Deus me deu dez. Eu preciso dos dez.  
Mordi o lábio, tentando conter o bolo que subia por minha garganta. 
— Faith, só vou pedir mais uma vez, abra a porcaria da mão — da água para o vinho, ele já estava irritado.  
Mantive os olhos no chão, eu não queria ver o que segurava. 
Neguei mais uma vez e um pingo de água desceu quente pela minha bochecha.  
Então ao mesmo tempo, uma dor aguda e alarmante se espalhou pelas costas da minha mão direita ao passo que ouvi o derrapar de uma moto vindo do lado de fora. Quando procurei o problema, notei meus dedos abertos e trêmulos no braço da cadeira e uma mancha crescente vermelha nas costas da mão. Ressentida, entendi que ele havia batido ali com algum instrumento como punição e que não havia moto nenhuma, o som agudo saíra dos meus lábios. 
— Melhor assim. De qual dedo você menos gosta? — perguntou amigável.  
Não tendo forças para autocontrole, me permiti ver uma espécie de alicate em suas mãos. A hipótese agora era fato.  
Me retorci na cadeira, choramingando e estremecendo de dor quando mexi a mão direita. Rezei para que aquilo fosse o suficiente para anestesiar meus dedos.  
— Por favor, por favor... 
Ele suspirou, segurando com brutalidade minha mão machucada.  
— Eu escolho por você. Soube que estava se envolvendo com um dos Biebers, é verdade? — com a voz leve, introduzia o assunto — Não acho que eles sejam de gestos românticos, mas vou adiantar seu lado. Para que ele não te enrole com uma aliança de compromisso e parta logo para o casamento, pensei em tirar o anelar da mão direita? Não é uma ótima ideia? 
Ignorei a dor lacinante, tentando a todo custo tirar minha mão da sua. Firmando o aperto, ele inutilizou minhas tentativas inúteis de escapar. E então eu estava implorando outra vez, o pânico se materializava em gotículas que escorriam da minha testa e olhos. Ele separou meus dedos, segurando o anelar para em seguida manusear o alicate.
Não havia escapatória, a única coisa que eu podia fazer era fechar os olhos com força. Minhas canelas já reclamavam de toda a agitação das pernas que queriam a todo custo chutar a cara daquele demônio. Lamentei em voz alta ter que perder um dedo, e pedi que Deus me ajudasse, gritando em seguida coisas não identificáveis que surgiam na minha boca. 
Eu não estava preparada quando aconteceu. Na verdade, não havia como me preparar para aquilo.


segunda-feira, 20 de março de 2017

One Life 46

O aquecedor estava em pleno funcionamento, Faith atirava seu casaco na cama, mas eu tinha a impressão de que seu corpo era uma pedra de gelo, distante, inalcançável.
Ela colocava as joias nas respectivas caixas em cima da mesa quando seus olhos pararam outra vez no papel pardo.
— Pode abrir, se quiser — ofereci, tirando o sapato e a meia, me concentrando mais do que o necessário na tarefa.
— Hm, o que é? — perguntou ela desconfiada.
Dei de ombros, aparentando indiferença. Depois do que havia sido dito, não poderia me enganar pensando que se interessasse com o rumo que meu sobrenome teria.
— São alguns documentos que Ryan conseguiu pra mim, sobre minha família.
Inusitadamente, o interesse transpareceu em seu rosto.
— Você já olhou? Diz sobre sua mãe e seus irmãos?
— Não olhei ainda. Estou esperando que sim.
Ela cruzou os braços, mordiscando o canto da boca com nervosismo.
— E não está curioso para investigar?
Sondei sua reação, confuso com a oscilação de humor. Embora fosse improvável, ela estava de fato envolvida.
— Acho que sim — caminhei até o pacote na mesa e o segurei nas mãos — Quer olhar comigo? Quer dizer, eu vou precisar de ajuda.
Entortando o nariz, ela parecia estar lutando consigo mesma para recusar.
— Tem certeza?
Me sentei na cama destinada a mim por nosso acordo não verbal, batendo no espaço ao lado para que se sentasse ali como forma de reafirmação. A passos incertos, ela preferiu se empoleirar no seu próprio colchão, inconscientemente inclinando-se na minha direção.
Os minutos prazerosos de Ryan não foram suficientes para que estufasse o pacote de documentos, e não me dei ao luxo de pensar encontrar alguma informação valiosa ali.
Por mera praticidade, se Faith não se sentaria ao meu lado por vontade própria, decidi que assim eu o faria. Quase como um reflexo, ela se afastou um pouco assim que meu peso afundou mais um pouco seu colchão, mas não reclamou, atenta ao movimento que eu fazia para abrir o pacote. Retirei todo o conteúdo e o dividi em dois, estendendo uma parte para Faith.
— Assim vamos mais rápido — expliquei.
Suas mãos seguraram a pilha sem confiança e eu soube que estava repensando sobre me ajudar. Ignorei sua hesitação, avaliando minha parte. A primeira folha era uma ficha minuciosa de Jeremy, como a que todos os membros da Companhia deviam ter. Passei os olhos no documento, me detendo no tópico “Histórico Estado Civil”. Três casamentos era o que constava. O riso de escárnio ficou preso em minha garganta.
— Ah! — a exclamação de Faith roubou minha atenção — Esses são sobre você.
Olhei por sobre seu ombro, encontrando uma foto amarelada presa com um clip a uma ficha igual a que eu segurava. O bebê na foto tinha cabelos loiros lisos moldando o rosto rechonchudo.
— O que quer dizer “Classe A”? — perguntou.
— Uma identificação para os membros legítimos da família.
Ela estudou o papel com mais afinco, franzindo a testa de ceticismo ao final da leitura.
— Acessos de raiva frequentes, explosivo, ansioso, sentimental — recitou — Potencialmente nocivo.
Tamborilei os dedos no queixo, fazendo meu juízo de valor quanto aos adjetivos atribuídos. Faith esperou pacientemente o veredicto.
— Sim. Esse sou eu. Tudo o que não podem controlar é uma ameaça. Então provavelmente sou nocivo.
Ela arregalou os olhos com uma perplexidade fajuta.
— Você me parece extremamente inofensivo.
— Acho que já sabemos o bastante sobre mim — fiz menção de pegar o papel, ela o afastou.
— Não sabemos. Tem mais alguma coisa a esconder de mim?
Levantei a mão em rendição, permitindo que prosseguisse. Perguntei-me se precisava me preocupar com algum segredo obscuro que a aborrecesse. Meio segundo depois decidia em qual cemitério gostaria de ser enterrado. As informações sobre meu falecido pai não me entretinham mais, então o arfar silencioso foi suficiente para que eu olhasse Faith já na defensiva.
De queixo caído, ela leu em voz alta:
— Advertência da escola: o aluno apresentou comportamentos indecentes ao se insinuar para a professora de educação física — eram as aulas que eu mais gostava, não podia negar. Ela mudou de página — Expulsão: Justin Drew Bieber foi flagrado em atos libidinosos no vestiário com a docente Kris Hillfigter (dispensada).
— Eu não me lembrava disso — menti. Na verdade, fora um dos únicos dias que deixara Jeremy orgulhoso.
Faith me fuzilou com os olhos, transparecendo “não admitir torna sua situação mais precária”.
— Ela não era muito mais velha. Eu já estava no colégio.
Seu revirar de olhos quase produziu som.
— Você é tão previsível.
Se ali estava a história com a professora de educação física, ela não gostaria de continuar a leitura...
— Suspensão: o aluno, por meio de um espelho fixado em cima do sapato, espiou roupas íntimas das colegas de saia.
Quase não esperei que terminasse.
— Eu estava em uma época complicada — me defendi — E se continuar lendo, vai encontrar alguns casos violentos também. Minha vida estudantil foi conturbada.
Ela suspirou, descartando ao seu lado o que supus serem mais históricos escolares.
— Vocês garotos deveriam pensar com a cabeça de cima.
Contive o riso. Seu intuito não era me fazer rir.
Voltei ao trabalho, mais aliviado por termos superado a parte do julgamento. Após uma lista dos bens imóveis de Jeremy, estava sua linha sucessória. “Três filhos: Justin Drew Bieber, Jasmyn Kathleen Bieber e Jaxon Julian Bieber”.
— Você é canadense, como sua mãe — Faith disse surpresa, me mostrando a certidão.
Teria a de Jaxon e Jasmyn também?
— London, Ontario — eu li, atingido por mais uma novidade.
Próximo ao garrancho mal feito de Jeremy estava a caligrafia calculadamente arredondada de Patricia Elizabeth Lynn Mallete, como se ela pudesse usar o registro para me dar aulas de caligrafia.
Agora eu possuía o nome inteiro de todos.
— O Canadá é legal — Faith murmurou. Tive a impressão de que tentava amenizar o impacto — Sempre quis conhecê-lo.
O quão irônico seria se Patricia estivesse onde tudo havia começado?
Passei a ponta dos dedos no relevo que sua escrita deixara na certidão, tentando visualizar em quais circunstâncias fora feito. Se o papel pudesse apreender sentimentos, quais seriam os deixados ali por Patricia? Estaria feliz por conceber de Jeremy? Saberia termos pouco tempo juntos? O capricho na letra não indicava pressa, mas zelo. Zelo de quem se orgulhava. Zelo de quem pensava ter uma vida inteira para eternizar aquele momento.
Num contraste frustrante, essa não era a realidade presente. Patricia abandonara seu filho de seis meses em uma Companhia de assassinos, escolhendo para um incapaz o seu destino.
— Hm, suponho que esse seja seu irmão? — Faith me puxou de meus devaneios, me apresentando uma foto colada a uma declaração.
Poderia estar sendo pretensioso, mas reparei em várias semelhanças minhas com o aparente Jaxon. Sua fixa não estava preenchida, contendo apenas o aniversário do garoto de agora sete anos e o transcrito em negrito com uma data em vermelho “Jaxon Julian Bieber, resgatado e transferido para a sede”.
Resgatado? Essa era a palavra?
— E essa sua irmã?
A ficha de Jasmyn estava exatamente igual. Então minha suspeita de sua localização estava certa.
— Onde fica essa sede?
Separei as fichas dos dois, folheando o restando dos papéis em minhas mãos.
— Minnesota. Cresci por lá. A ala infantil é bem reforçada.
— E quando você veio para cá?
Guardei o que já havia analisado mais satisfeito com o resultado do que esperava.
— Quando terminei o colégio. Ainda gosto mais de lá, embora seja mais rígido, tenho influência maior. Não acho que vai ser difícil descobrir se os dois estão mesmo por ali, mas preciso fazer isso num espaço de tempo curto para que não tenham tempo de transferi-los outra vez assim que souberem que procuro por eles — olhei para suas mãos pousadas em cima de sua pilha organizada — Descobriu mais alguma coisa?
Ela me entregou os papéis com um ar de trabalho cumprido.
— Bom, suas vacinas estão em dia.
Devolvi o restante para o pacote, tirando uma foto com meu celular da certidão e dos comprovantes de transferência.
— Informação relevante.
— Assim sabemos que não transmite raiva — ela me deu uma cotovelada.
Fechei o envelope, cogitando a possibilidade de não devolver os documentos. Quando sentissem falta, Stacy estaria encrencada. O que não era exatamente um problema, seu sorriso vulgar acompanhado do excesso de confiança conseguia ser irritante muitas vezes.
Conferi a resolução das imagens em meu aparelho, e acabei me detendo na foto de Jaxon. O que ele pensaria de ter um irmão mais velho? Um acréscimo genético em sua vida?
— Eles vão gostar de você — Faith murmurou baixo e convicta.
Seu sorriso compreensivo e fixo mostrava que não havia nada de errado com insegurança.
— Eu não teria tanta certeza disso.
Ela endireitou a postura, como se aquilo a deixasse mais convincente.
— Eu já te vi com crianças, lembra? Com elas você tem jeito. E se qualquer coisa der errado, esteja preparado com um punhado de doces.
Me imaginei atirando doces a distância quando estivessem tendo uma crise de nervos.
— Claro que o ideal seria você mudar por eles e viverem como uma família de verdade.
Expirei, me jogando de costas na cama com toda aquela pressão em cima do meu estômago.
— Consegue imaginar isso? Eu preparando um café da manhã de cereais coloridos e os levando à escola na minha  mini van?
Houve um momento de pausa, então Faith concordou. Não sabia dizer se era só pra me animar.
— Não tenho vocação para ser pai e nem condição de exercer essa função.
Ela fez uma cara de tédio, me olhando de cima.
— Você não pode afirmar coisas dais quais não sabe.
No caso, eu podia. Era uma realidade completamente distante da minha. Em um mundo simples, talvez eu pudesse mudar de profissão, comprar uma casa maior e segura, gastar grande parte do meu dinheiro com brinquedos e roupas que não serviam em mim, e para completar a fantasia, acompanhado de uma mulher que me ajudasse a vencer as dificuldades diárias com um sorriso positivo no rosto. Faith Evans. Se houvesse possibilidade de formar uma família, não me restavam dúvidas de que seria com ela.
— Não existem coisas impossíveis, existe limite da força de vontade que inviabiliza nossas metas ilusoriamente. E não é do seu feitio respeitar limites — insistiu.
— Quem tem limite é município — concordei da boca pra fora, esfregando as pontas dos dedos nas têmporas.
— Então estamos combinados.
Se aquela ilusão a deixava mais feliz, eu não discordaria.
Num movimento inesperado, Faith se jogou ao meu lado, puxando todo o cabelo para o ombro direito, deixando a pele visível onde o tecido do vestido não cobria, abrindo caminho para seu pescoço e nuca, um trajeto extremamente atraente para meus lábios. O cheiro adocicado de sua pele alcançou minhas vias respiratórias antes que eu pudesse me preparar.
Engraçado como o mundo esfrega todos os seus fracassos no seu rosto.
— Acho que Hanna deveria vir conosco — cuspi a informação, sedento por uma distração.
Ela virou a cabeça para mim, surpresa, esperando que eu me justificasse.
Mantive os olhos no teto, sabia que olhar pra ela diminuiria ainda mais a distância entre meu desejo, e não me agradava ser masoquista.
— Guilherme foi quem mandou aqueles dois idiotas para o shopping hoje, prefiro que ela esteja a vista pelo menos nesse início — esclareci.
Faith bufou, encarando o vazio como se olhasse para o rosto de Guilherme.
— Não gosto de dizer isso, mas eu realmente odeio esse cara. Por que ele não me deixa em paz e vai arrumar o que fazer? Isso pra mim é uma admiração encubada.
Sem olhar, eu sabia que sua testa se enrugava para semicerrar os olhos, a boca se franzia ligeiramente. Eu esperava que apreciar sua fisionomia irritada não me tornasse um pouco mais sádico.
— Mais fácil seria dizer quem não tem uma admiração encubada por você.
Imediatamente sua garganta emitiu um riso histérico.
— Ah meu Deus, você é de fato iludido.
Olhei pra ela com intensidade, indignado.
— Quase fui obrigado a destruir a integridade de todos os homens no baile de Hall. Então os argumentos estão a meu favor.
A coloração rosa se concentrou em suas bochechas, fazendo com que ficasse desconfortável. Ela estalou os nós dos dedos, pensando em uma forma de retrucar ao devolver meu olhar. Meu entusiasmo persuasivo expresso no rosto a pegou desprevenida, terminando de desconcertá-la. Lembrei-me tardiamente que essa posição deixava sua boca macia e convidativa muito mais perto da minha, caçoando da minha impossibilidade de possuí-la.
Uma onda de calor preencheu o ambiente. Se não estivéssemos sozinhos teria certeza de que alguém aumentara a temperatura. Mas estávamos sozinhos. Deitados. Próximos. E teoricamente, desimpedidos. Meu corpo estava pronto, a mente premeditava todos os movimentos possíveis para que eu me afogasse em sua pele morena, bebendo o suficiente para entrar em overdose.
Desabotoei os dois primeiros botões da minha camisa, sentindo-me sufocado. Faith acompanhou o movimento com os olhos, deixando escapar um traço perturbado em suas feições.
Tivemos aquela conversa momentos antes, eu sabia que minutos não eram suficientes para fazê-la mudar de opinião, mas não resisti a ao menos me inclinar e tocar vagarosamente com meus lábios a parte a mostra de seus ombros. Eu sentia sua respiração forte em meu rosto, me tentando a subir com os beijos e tomar seu rosto nas mãos. Por hora, deveria me conformar por não ter levado um tapa estalado por essa liberdade roubada.
Me afastei com certa dificuldade, me pondo em pé num impulso só.
— Vou esperar no corredor enquanto se troca — avisei, deixando o responsável por nossa proximidade de volta à mesa ao disparar para a porta.
Um vislumbre do banheiro me serviu de lembrete sobre o quanto aquela era uma péssima desculpa.
Me sentei no chão, tentando acalmar os ânimos. “Vocês garotos deveriam pensar com a cabeça de cima” Faith dissera. Eu podia fazer isso. Preenchi minha mente com as próximas táticas do jogo.
Peguei o celular no bolso da calça, discando o número de Ryan. Ele não demorou a atender. O ambiente atrás da linha estava conturbado.
 Tudo bem, estou honrado com essa renovação de confiança, mas confesso não estar entendendo o plano.
Respirei fundo, guardando um pouco mais a motivação.
 Está com ele?
— E alguma vez fiz um serviço mal feito? Estamos na Wild Life, não precisei de muito para convencê-lo a vir. Da forma que está se entregando à bebida, diria que até sente a ameaça.
Fechei a mão em punho. Hoje seria a oportunidade perfeita. Seria. Seu ataque falhara, então era minha vez de empenhar o próximo golpe.
— Não o perca de vista, Butler, se necessário use força física. Eu cubro você.
Ele produziu um muxoxo. Despreocupação era quase seu estado de espírito permanente.
— Não se preocupe com essas coisas. Posso saber o que ele fez agora? O cara é um saco, soubemos desde o princípio, mas achei que ignorar a existência dele funcionava.
— Ele mandou gente atrás da Faith — revelei entredentes — Já estava sondando, mas decidiu agir hoje efetivamente.
Contrariando meu humor, Ryan riu animado.
— Cara, ele está tão ferrado. Não é como se só tivesse violado o código de ética.
Após desligar — reforçando que Ryan não deixasse Guilherme sumir — recusei mais uma ligação de outro número desconhecido. Me compadeci do irmão de Faith, contra ele eu não tinha nada. Sabendo não ser o bastante, digitei uma mensagem endereçada à Hanna. “Ela está bem e assim permanecerá, eu prometo.”
Para ser sincero, a presença de Hanna em nossa viagem à Califórnia não era totalmente estimulante, mas eu não tinha escolha. Deixei para que Faith a convencesse de vir conosco, já reservando uma passagem para o final do dia, devido a lotação em nosso voo. Ryan apreciaria mais passar o dia de babá da loira alta do que do estúpido Guilherme. E esse era o tipo de consequência por me oferecer ajuda.
O celular vibrou.
Eu juro que se alguma coisa acontecer a ela vou cortar seu passarinho fora. Você não me conhece,  Justin Bieber”
Eu poderia levar as ameaças de Hanna a serio se não soubesse que conseguiu sentir interesse pela cabeça de ovo de Guilherme. Mas em se tratando da proteção de Faith, não duvidaria da capacidade de adquirir forças sobrenaturais. Ela causava esse tipo reação intensa.
O ritmo das ligações diminui após a mensagem, até que se extinguissem me deixando solitário no corredor. Cogitei a possibilidade de dormir ali, relutante em invadir o espaço de Faith, e consciente de que deveria bloquear a saída para o caso dela eventualmente pensar em algum plano estúpido. De qualquer forma, sabia que não teria uma noite tão tranquila de sono com os assuntos pendentes estourando no prazo. Faith era uma péssima influência, não era do meu feitio fugir dos problemas. Mas como envolvia sua segurança, eu não estava disposto a correr nenhum risco.
Estava justamente traçando nossos primeiros passos na Califórnia, desejando secretamente que houvesse oportunidade para darmos um pulo na praia, quando a porta se abriu timidamente a minha frente. Colocando metade do corpo para fora, Faith me olhava sem jeito.
— Acho que você já pode entrar agora.
Atento ao seu tom de voz, percebi que era mais um pedido para que lhe fizesse companhia. A solidão era mais aterrorizadora do que passar um tempo ao meu lado. Sendo o responsável pela origem do sentimento, ser sua única opção se tornava irônico.
Tendo noção do fato, Faith demorou em sair da frente da porta, rígida. Fechei o trinco atrás de mim, reparando no pijama de seda dourado que vestia enquanto se dirigia para a cama.
— Sua amiga não parece ser do tipo que dorme de roupas — comentou desconfortável, escondendo as pernas com as mãos assim que se sentou.
Certo, deveria tomar mais cuidado para onde olhava.
Pegando uma bermuda no guarda roupa, entrei no banheiro para me trocar. Não demorei muito, já prevendo o incômodo no rosto de Faith assim que visse que eu não dormiria de camisa. Não era uma coisa que eu fosse abrir mão. A menos que desligássemos o aquecedor.
Ela ainda estava na mesma posição que eu deixara, encarando o vazio inexpressiva. Não era bom sinal que se perdesse em pensamentos naquele contexto.
Pigarreei, chamando sua atenção, direcionando-a diretamente para meu abdômen desnudo.
— Ao que parece, deixou passar um detalhe em suas compras.
— Pensei que não te incomodasse mais.
Ela fez cara feia, detectando meu cinismo.
Estava pronto para me jogar na cama quando sua palma da mão sinalizou que eu parasse.
— Preciso da sua profunda sinceridade agora.
Entrei na defensiva, apertando um pouco os olhos.
— Quanto ao que?
— Você trouxe o Boa-noite Cinderela? — sua pergunta tendia para uma acusação.
Eu tinha o pressentimento de que ela me interpretaria mal, entretanto mentir não melhoraria.
— Sim, mas — acrescentei rápido — não com o intuito de usar em você. É só uma precaução para eventos de força maior.
Não foi convincente e ela estendeu a mão.
— Me dê— exigiu — Não confio em você e não vou deixar que use isso em mim de novo.
A questão não estava aberta para discussões, mas eu não estava certo de que deixar em suas mãos era a melhor solução para o impasse.
— Justin Bieber, se quer que eu confie em você, me dê a droga do frasco.
Relutante, resgatei o vidro do paletó no guarda roupa e o pousei com cuidado na palma de sua mão. Ela fechou os dedos em volta com ímpeto antes que eu pudesse mudar de ideia.
— Comprei uma passagem para Hanna no voo das cinco, seria bom se pudesse convencê-la.
Ela concordou com a cabeça antes de virar de costas e deitar, se ajeitando entre os lençóis. A mão que guardava o frasco se escondeu embaixo do travesseiro.
— Você apaga a luz? — disse ela, deixando explícito que era o fim do dia para nós dois.
Não questionei, deitando de barriga para cima e me esticando para alcançar o interruptor ao lado da cama. O quarto abrigou o escuro, embora permitisse a invasão da meia luz refletida pela lua, fazendo sombras por ele.
Não me surpreendia estar sendo atacado pela insônia, atento a cada ruído produzido no ambiente. Eu podia ouvir o zumbido quase imperceptível do aquecedor, a pele de Faith roçando no lençol quando mudava de posição e a frequência de nossa respiração. Assim, percebi quando houve uma alteração na sua. Demorando em renovar os ciclos respiratórios, inspirava devagar e expelia o ar pela boca, como se estivesse tendo dificuldades para respirar.
Ela ainda estava de costas para mim, encolhida, e seus ombros me pareciam tensos.
— Faith?
Não houve uma resposta, mas ouvi sua fungada quase silenciosa.
— Está tudo bem?
Dessa vez, ela balançou a cabeça para frente. Sua habilidade de mentir não melhorava quando evitava as palavras.
Acendi o abajur.
— O que há de errado?
Depois de um longo momento de silêncio, me preparava para ir até ela e interpretar sua expressão, mas a resposta veio primeiro:
— Esse… foi um dia de merda — choramingou com a voz embargada.
Encerrando o expediente, nossa mente enfim tem um tempo de apreender todo o ocorrido. A de Faith estava com sobrecarga emocional. Eu sabia que em algum momento não suportaria, mas não deixava de ser perturbador presenciar essa sua reação.
Incerto de que aquilo fosse melhorar as coisas, arrastei o criado mudo, arrancando o fio do telefone e do aparelho de wi fi, até que o meio entre as camas estivesse livre. Depois, empurrei minha cama até que se encostasse à sua, produzindo menos de barulho que eu conseguia. Eu não me arrependia de não ter escolhido desde o princípio um quarto de casal, demonstrava que eu não a forçaria a nada.
Com os olhos molhados, Faith observava por cima do ombro, exausta demais para questionar o que eu fazia.
— Não te contaram? A vida é uma grande bosta produzida pelo orifício de uma vaca.
A linha de sua boca se afinou, aprisionando o riso.
Deitei-me novamente, detendo-me no meu espaço para que não se sentisse invadida. Abri os braços para fazer a oferta.
— Mas talvez fique mais fácil se se deixar abraçar pelo esterco.
Seu sorriso tristonho se distinguiu no meio de seu embaraço.
— Essa é a pior tentativa de consolo que recebi na vida — murmurou, limpando a umidade em seu rosto.
Supondo ser uma deixa de sua permissão, me arrastei para mais perto, atravessando a cama única improvisada. A envolvi ternamente em meus braços. No início, seu corpo estava rígido, mas conforme eu acariciava seu cabelo, foi relaxando, até que repousasse a cabeça em meu  peito, se aconchegando. E assim me senti inteiro.
— Eu sou a pessoa mais estranha da terra — comentou, se referindo ao fato de aceitar meu conforto.
— Qual seria a graça de ser normal?
Meu batimento cardíaco estava mais forte e pesado, tentando transmitir a mensagem que ecoava em minhas veias para seu ouvido colado em meu peito.
— Como está seu ferimento? — perguntou atenta ao curativo ainda colado à minha pele.
— Logo retirarei os pontos. E o seu?
Ela não demorou a entender a referência, suspirando.
— Vai passar.